segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Artur Gomes -Pátria A(r)mada

 

Artur Gomes

Pátria A(r) mada


Artur Gomes

 Pátria A(r)mada

 

Prêmio Oswald de Andrade

UBE-Rio – 2022

 2ª Edição Revisada e Ampliada

                    Fulinaíma

 Campos dos Goytacazes, 2022

*



Desconcertos Editora 
ILUSTRAÇÃO 
Felipe Stefani 
PROJETO GRÁFICO
 Genilson Soares

*
Todos os direitos reservados. A reprodução de qualquer parte desta obra só é permitida mediante autorização do autor e da Produtora Filinaíma Multiprojetos.

TRÊS TOQUES PARA PENETRAR NA NOITE ESCURA DESTA PÁTRIA A(R)MADA
Ademir Assunção

 1 Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. 

 O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e Reubes Pess, nos primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas.
Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte. 

 Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como

 “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”. 

Há dor por uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”. 

É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões: 

“eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”. 

Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé  Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns. Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias
 macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que 

a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”? 

3

Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando 

“a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo. Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções. 

Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016.

 Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos:

 “ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”. 

Ademir Assunção – poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA

fome é tema de ensaio fotográfico com ossos à venda em bandejas

come osso menina

come osso menino

não há mais metafísica no mundo

do que comer osso

 

no açougue ou no mercado

 osso de graça já foi dado

 hoje é vendido hoje é comprado come osso maria

 come osso mané

come osso joão

com arroz e feijão quebrado

porque nesse país sem nome

 temos que comer osso

 para matar a nossa fome


já podeis da pátria, filho ver demente a mãe gentil já raiou a liberdade em cada cano de fuzil salve lindo fuzil que balança entre as pernas a(r)madas da paz a gripezinha era a certeza esperança de um genocida imbecil incapaz


*

A

 vida sempre em suspense

alegria prova dos nove

 fanatismo nã0 me convence muito menos me comove

navegar é preciso 

 para Fernando Aguiar 


 Aqui redes em pânico 

pescam esqueletos no mar

 esquadras descobrimento

 espinhas de peixe convento 

 cabrálias esperas relento

 escamas secas no prato 

 e um cheiro podre no AR 


 caranguejos explodem

 mangues em pólvora 

 é surreal a nossa realidade 

tubarões famintos devoram cadáveres 

em nossa sala de jantar

 como levar o barco e

m meio a essa tempestade?

 navegar é preciso 

 mas está dificilíssimo navegar

*

Deus não joga dados

mas a gente lança

 sem nem mesmo 

saber se alcança

o número que se quer

mas como me disse mallarmè

 : -

vida não é lance de dedos

 A vida é lança de dardos

Deus não arde no fogo

 mas eu ardo


poema a(r)mado 


todo os dias

 capino a esperança 

escavando outras palavras 

 no chão desse quintal 

 e quando escrevo 

com enxada

 o poema é mais real


cacomanga 

 na roça desde cedo comecei a escavar palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada capinei a liberdade e descobri que ditadura é uma palavra que não cabe nunca mais


*

quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma determinada metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do universo e xingo teu nome: garrutio lamparão de bico kabrunco de poema     que não me dá sossego 

                                 Federika Lispector


testamento

 a tesoura rasga o tecido da carne enquanto sangra no processo cirúrgico do poema corta de cada palavra a sílaba que não presta de cada frase a palavra de cada sílaba a letra morfa e o poeta vai vivendo no que resta 



fulinaíma sax blues poesia

ela era Bruna em noite de blues rasgado soltou a voz feito Joplin num canto desesperado por ser primeiro de abril aquele dia marcado a voz rasgou a garganta da santa loucura santa com tanta força no canto que até hoje me lembro daquela musa na sala com tua boca do inferno beijando meus dentes na fala


* 

no universo paralelo

 tenho mestrado Bíblico

em chá de cogumelo

 

Federico Baudelaire



 
pássaros elétricos

vivem a vida por um fio

 

               Federika Bezerra


Dê livros

 Dê Lírios

Dê Beijos

 

     Gigi Mocidade


pan(demônica)

 

 passeio os pés descalços

sobre covas rasas

contando ossos

no poema exposto

 no sujeito do objeto

tudo isso exposto

 nesse papo reto

 segue o passo norte

não leio cartas de suicídio

nem decreto de hospício

 na tentação que me conforte

 quero matar o genocídio

 pra não morrer antes da morte


metáfora


 meta dentro  meta fora 

que a meta desse trem agora 

é seta nesse tempo duro 

 meta palavra reta 

para abrir qualquer trincheira 

 na carne seca do futuro

 meta dentro dessa meta

 a chama da lamparina

 com facho de fogo na retina 

pra clarear o fosso escuro


Couro Cru & Carne Viva


terra de santa cruz

I

ao batizarem-te

deram-te o nome

:

posto que a tua profissão

 é abrir-te em camas

dar-te em ferro

ouro prata

 rios peixes

 minas mata

deixar que os abutres

 devorem-te na carne

o derradeiro verme

 

 I I

 salgado mar de fezes

batendo nas muralhas

do meu sangue confidente

 quem botou o branco

na bandeira de alfenas

só pode ser canalha  

na certa s e esqueceu

 das orações dos penitentes

e da corda que estraçalha

com os culhões de Tiradentes

 

III

salve lindo

 pendão que balança

entr e as pernas

abertas da paz

tua nobre sifilítica herança

dos rendez -vous

de impérios atrás

 

I V

 meu coração

 é tão hipócrita

que não janta

 e mais imbecil

que ainda canta

:

ou viram no Ipiranga

 às margens plácidas

 uma bandeira arriada

num país que não levanta

 

V

só desfraldando

 a bandeira tropicalha

 é que a gente avacalha

 com as chaves dos mistérios

 dessa terra tão servil

 tirania sacanagem safadeza

 tudo rima uma beleza

com a pátria mãe

que nos pariu

 

 1º de Abril

 telefonaram-me

 avisando-me que vinhas

 na noite uma estrela

 ainda brigava

contra a escuridão

na rua sob patas

tombavam homens indefesos esperei-te 20 anos

 até hoje não vieste à minha porta

 

VI

o poeta

estraçalha a bandeira

 raia o sol marginal quarta feira

 na Geléia Geral brasileira

o céu de abril não é de anil

 nem general é my Brazyl

 

minha verde/amarela esperança Portugal já vendeu para França

 e coração latino balança

entre o mar do dólar do norte

e o chão dos cruzeiros do sul

 

VII

o poeta esfrangalha a bandeira

 raia o sol marginal sexta feira

nesta porra estrangeira e azul

 que há muito índio dizia

:

meu coração marçal tupã

 sangra tupy & rock and roll

meu sangue tupiniquim

 em corpo tupinambá

samba jongo maculelê

maracatu boi bumbá

 a veia de curumim

 é coca cola & guaraná

 

VIII

 o sangue rola no parque

o sonho ralo no tanque

 nada a ver com tipo dark

 muito menos com punk

meu vício letal é baiafro

 com ódio mortal de yank

 

IX

 ó baby

a coisa por aqui

não mudou nada

 embora sejam outras

siglas no emblema

espada continua a ser espada poema continua a ser poema


BraZílica Pereira


neste país de fogo & palha

 se falta lenha na fornalha

 uma mordaz língua não falha

 cospe grosso na panela 

da imperial tropicanalha 

não metam nestes planos

 verdes/amarelos 

meus dentes vãos/armados

 nem foices nem martelos

 meus dentes encarnados

 alvos brancos belos 

já estão desenganados 

    desta sopa de farelos


 


PESSOA


não tenho pretensões

de ser moderno

 nem escrevo poesia

pensando em ser eterno

 veja na minha língua

as labaredas do inferno

 e só use o meu poema

com a força de quem xinga


GENITAL 

pasto no cosmo a soja secular de Jardinópolis onde os discos-voadores sobrevoam meu nariz na cara das metrópoles. no centro ao sul os cemitérios possuem mais mistérios que a nossa vã filosofia. tem um animal de vagina espacial na poesia & e um grande pênis roxo milenar feito espiral em círculo preparando imenso orgasmo pra festejar o fim do século.


TROPICALIRISMO


 GIRAssóis pousando 

Nu – teu corpo: festa 

beija-flor seresta 

 poesia fosse

 esse sol que emana 

no teu fogo farto 

lambuzando a uva de saliva doce.


LENÇÓIS DE RENDA 

poderia abrir teu corpo

 com os meus dentes 

rasgar panos e sedas 

com as unhas 

arreganhar as tuas fendas 

desatar todos os nós 

da tua cama

 arrancar os cobertores 

rasgando as rendas dos lençóis 

perpetuar a ferro e fogo

 minhas marcas no teu útero 

meus desejos imorais 

maldizendo a hora soberana 

com a força sobre humana 

dos mortais 

quando vens 

me oferecer migalha e fruto

 como quem dá de comer aos animais


ALUCINAÇÕES (IN)TERPOÉTICAS

 O QUE é que mora em tua boca bia? um deus. um anjo. ou muitos dentes claros como os olhos do diabo e uma estrela como guia? 

O QUE é que arde em tua boca bia? azeite sal pimenta e alho résteas de cebola um cheiro azedo de cozinha tua boca é como a minha? 

O QUE é que pulsa em tua boca bia? mar de eternas ondas que covardes não navegam, rios de águas sujas onde os peixes se apagam. ou um fogo cada vez mais Dante como este em minha boca de poeta delirante nesta noite cada vez mais dia em que acendo os meus infernos em tua boca bia


LUNÁTICA

um gato noturno

 atira pedras nas estrelas

 palavras e mais palavras

 na carne da princesa

onde o papel não bate

onde o pincel não toca

o gato noturno lambe a barriga bem perto da virilha

 e trepa no muro mais próximo tentando alcançar

 o outro lado da lua

 em seu instante letal

de desespero e solidão


FROYDIANA

azul são os teus olhos

a cor dos pelos não conheço

 teus seios ainda não toquei

Dracena – é uma terra roxa

nave extra terrena

que humanos não decifraram 

pequena vagina virgem

onde os dedos ainda não entraram

 e os cachos de uvas

apodrecem nos teus dentes

com um cheiro de leite ardente esguichando na distância


*

pátria a(r)mada

 só me queira assim caçado 

mestiço vadio latino

 leão feroz cão danado 

perturbando o seu destino 

e só me queira encapetado

 profanando aqueles hinos

 malandro moleque safado

 depravando os seus meninos 

só me queira enfeitiçado 

veloz macio felino 

em pelo nu depravado 

em sua cama sol à pino 

 e só me queira desalmado 

cão algoz e assassino 

duplamente descarado 

quando escrevo e não assino


*


alguma poesia


 não bastaria a poesia deste bonde que despenca lua nos meus cílios num trapézio de pingentes onde a lapa carregada de pivetes nos seus arcos ferindo a fria noite como um tapa vai fazendo amor por entre os trilhos. 

não bastaria a poesia cristalina se rasgando o corpo estão muitas meninas tentando a sorte em cada porta de metrô e nós poetas desvendando palavrinhas vamos dançando uma vertigem no tal circo voador

não bastaria todo riso pelas praças nem o amor que os pombos tecem pelos milhos com os pardais despedaçando nas vidraças e as mulheres cuidando dos seus filhos

  não bastaria delirar Copacabana e esta coisa de sal que não me engana a lua na carne navalhando um charme gay e um cheiro de fêmea no ar devorador aparentando realismo hipermoderno num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez esse gosto de coisa do inferno como provar do amor no posto seis numa cósmica e profana poesia entre as pedras e o mar do Arpoador mistura de feitiço e fantasia em altas ondas de mistérios que são vossos

 não bastaria toda poesia que eu trago em minha alma um tanto porca, este postal com uma imagem meio Lorca

um bondinho aterrissando lá na Urca e esta cidade deitando água em meus destroços pois se o cristo redentor deixasse a pedra na certa nunca mais rezaria padre-nossos e na certa só faria poesia com os meus ossos


Suor & Cio

*

Indigesta

 

 ê fome negra

incessante

febre voraz gigante

 ê terra de tanta cruz

onde se deu 1ª missa

índio rima com carniça

no pasto pros urubus

 

oh! My Brazyl ainda em alto mar Cabral quando te viu foi logo gritando: - Terra à Vista! e de bandeja te entregando pra união democrática ruralista

 por aqui nem só beleza nesses dias de paupéria nação de tanta riqueza país de tanta miséria


Tecidos sobre a Terra 

Terra, 

antes que alguém morra 

escrevo prevendo a morte 

arriscando a vida

 antes que seja tarde

 e que a língua da minha boca 

não cubra mais tua ferida 

entre aberto em teus ofícios

 é que meu peito de poeta

 sangra ao corte das navalhas 

e minha veia mais aberta 

é mais um rio que se espalha 

amada de muitos sonhos 

e pouco sexo 

deposito a minha boca no teu cio 

e uma semente fértil nos teus seios 

 como um rio 

o que me dói é ver-te

 devorada por estranhos olhos

 e deter impulsos por fidelidade 

ó terra incestuosa 

de prazer e gestos 

não me prendo ao laço 

dos teus comandantes 

só me enterro à fundo 

nos teus vagabundos 

com um prazer de fera 

e um punhal diamante 

minha terra é de senzalas tantas

 enterra em ti milhões de outras esperanças soterra em teus grilhões 

a voz que tenta – avança 

plantada em ti

 como canavial que a foice corta 

mas cravado em ti 

me ponho a luta 

mesmo sabendo

 – o vão estreito em cada porta


 MOENDA


Usina

mói a cana

o caldo e o bagaço


Usina

mói o braço

 a carne o osso


Usina

mói o sangue

 a fruta e o caroço

 

tritura suga torce

 dos pés até o pescoço

 e do alto da casa grande

os donos do engenho

controlam

 :

o saldo e o lucro


carne proibida 

o preço atual 

proíbes que me comas 

mas pra ti 

estou de graça 

pra ti 

não tenho preço

 sou eu quem me ofereço 

a ti

: músculo e osso 

 leva-me à boca 

e completa o teu almoço



                  BraziLíricaPereira 

A Traição das Metáfora


1968 

ou 

a investigação uilcorneana


 quem és tu 

Uilcon Pereira 

que foste fazer na Sorbonne? 


ter aulas com Sartre 

ou cantar a Simone?


drummundana itabirina

fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher.

 braziLírica amanheceu incrédula: manchetes, vozerios, falatórios, assembleias, faixas, cartazes. por todas as vias, multivias, multimeios, os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim. 

E margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro.

 Mas César que não é Castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela, e um dia fedra sorrindo, com o pênis/baton da louca, foi ao boca de luar da fedra e voltou com o luar na boca.


poema 1 

entre a pele e a flor no asco com meia sola no sapato o meu vapor mais que barato industrial e infonáutico entre o couro de zinco e o cabelo mar de indecifrável plástico por entre o bronze dos teus pelos entre o gozar cibernético em todo sangue magnético a minha carne pós poeira entre a flor e o vaso de barro na homepage ou no carro na camisinha de vênus vírus H corroendo em vita/plus ou na sala meu olho gótico TVendo BraziLírica lâmpada fala por um tanto ou tanto quase cento e dez em cada fase não sendo assim acaba sendo


poema 2 

debaixo da sacada a escada torta pássaro sem teto acima do delírio coração de porco crava no oco da noite a faca cega, punhal de cinco estrelas na constelação do cão maior por onde Úrsula nua passeia Dédala de Dandi Deusa de Dali lua de Dadá no coração do pintor sem fronteiras acima do pé de abóbora embaixo do pé de cajá Malásia não é aqui Espanha não além mar Salvador não é Dali a mulher que eu quero mesmo é uma Dedé que não Dadá Bia de Dante do inferno Itamarati/Itamaracá constelação ursa maior pra Dadá meu coração pra Dedé não sou cantor quando quero quero mesmo espuma nylon pele tecido isopor.


poundianna


 Torquato era uma poeta

 que amou a Ana

 Leminski profeta 

Que amou Alice 

um dia pós

veio Uilcon torto 

pegou a Jóia di Ana 

juntou na PereirAlice

 com o corpo e alma das duas 

foi Bouvoir Assombradado

 pra lá de França ou Bahia

 roendo o osso do mito

 pois tudo que Sartre dizia

 o Anjo jurou já ter dito 

Nonada 

:

 - Biúte ria


poema seis


 estando quase 

sempre 

e mesmo estando 

esteja breve 

assim como uma letra

 escrita a lápis 

numa estrela aquarela

 rabiscada a giz 

estando por um raio

 esteja por um triz


curto circuito

 quem disse que amor é mudo surdo cego não sabe o que carrego em meu estado de sítio em meu instante de surto


pornofônico confesso

 se este poema inocente primitivo natural indecente em teu pulsar navegante entrar por tua boca entre dentes espero que não se zangue se misturar o meu sangue em teu pensar quando antropo por todas bocas do corpo em total pornofonia na sangração da mulher 

me diga deusa da orgia se também tu não me quer quando em ti lateja e devora palavra por palavra  dentro e por fora em pornografia sonora me diga Lady Senhora nestes teus setenta anos se nunca gozou pelo ânus me diga Bia de Dora num plano lítero/estético qual humano ou cibernético que te masturba ou te deflora


*


vampiresco

 um conto mínimo 2 o senhor dos anéis não mostra os dedos muito menos o coração Bradesco onde um corpo na lama menos Vale que 1 real rasgado na boca do bueiro


poética 93 


tenho nojo 

do Agro Negócio

 que me dá asco

 por tanta perversidade

 quem planta veneno 

é carrasco 

assassino da humanidade 


onde a poesia se espalha

 a língua nativa

não é fogo de palha

                    é brasa viva


indicativo

 

 olho dentro

do teu olho

 para que olhe

 na minha cara

e cara a cara me diga

a quantas anda

a nossa briga

do nosso amor pela ética

 se é tão estranha a poética

 de só pensar lá na frente

que até perdi a conta

 nesse pretérito faz de contas

das quantas vezes

que já votei pra presidente

e o nosso país do futuro

que nunca chega no presente


 

boca do inferno

 

 por mais que te amar

 seja uma zorra

eu te confesso amor pagão

não tem de ter

perdão pra nós

eu quero mais

é o teu pudor de dama

despetalando em meus lençóis

e se tiver

que me matar que seja

e se eu tiver que te matar

que morra

em cada beijo

que te der amando

só vale o gozo

quando for eterno

infernizando os céus

e santificando a boca do inferno

 

musicado e gravado por Luis RibeiroCD Fulinaíma Sax Blues Poesia - 2002 


por entre trilhos e trilhas

 por entre tralhas e troços

 foto grafando os destroços

 dos frutos podres no chão


cacomanga 2

 

ali nasci

minha infância

era só canaviais

 ali mesmo aprendi

conhecer os donos de fazenda

 e odiar os generais.


no poema o que ficou¿ 

 para Cesar Augusto de Carvalho 


 no poema ficou caco de vidros azulejando nos azuis no poema ficou o corte mais aberto o sangue mais secreto tanto mal secando blues

 no poema ficou a língua cega a faca desdentada a fome afiada onde era mel agora é pus 

no poema ficou o obsceno não sagrado o beijo ensanguentado o abstrato do concreto no poema ficou um objeto um soneto esfacelado um hiato no decreto 

no poema ficou mais um retalho mais um trapo do espantalho nesse circo abjeto no poema ficou o sangue amargo numa noite quase nada num curral analfabeto

 no poema ficou a escuridão nuvens de cinzas onde antes era luz no poema eu fiquei de pé quebrado no velório esquartejado nessa terra tanta cruz


pátria que pariu 

 para Rubens Jardim


 os dentes das pedras mordem a língua dos meus dias obscuros esse país teve passado não tem presente nem  futuro

 peixe é bicho inteligente foge do óleo criminoso derramado nos mares do nordeste - eita peixe cabra da peste! 

 nem sei em que planeta estamos hoje nessa infernal atmosfera capitão boçal pede desculpas pelas cagadas dos 3 filhos 

 Aí 5 é apenas os centímetros que um deles carrega pendurado entre as pernas esperma já virou porra nesta pátria que                                                  pariu a besta fera


mulher dos sonhos 

 ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas nas entre linhas dela e salta das metáforas por entre portas e janelas


a barra

 o rio é uma passagem 

para encarar a barra 

                      de frente

 a rede pode prender o peixe 

mas não me prende

                    os dentes


mulher dos sonhos 

pesadelo ou nem Freud explica

 ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço e ela não estava. a governanta me falou que estava em búzios. não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser bem escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos de búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto. era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei.


grafitemas e figuralidades

 estou escrevendo um mini conto um grafitema com figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus cabelos de milho e ela me                                                     perguntou o que era


catando cacos de cogumelos azuis

procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto ouvia edvaldo santana adonirando um blues vivi-ane preparava um chá de cogumelos azuis para depois do almoço que havíamos encontrado nas trilhas para são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta azeite e alho num caldeirão mágico incandescente a voz ultrapassava os corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de fulia de reis com aqueles palhaços com máscaras de bode no rosto imaginava a procissão em romaria era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos já surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido ouvi uma das vozes da procissão me pedindo um gole depois de tomá-lo ela toda de azul vermelho dançou com muito mais volúpia e em um passo de mágica todos os outros elementos da fulia começaram um ritual fulinaímico se lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios ninguém provou do chá mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão vivi-ane quase teve um troço ao ver o                                                             utensílio vazio.


cacos de cogumelos azuis 

alguns nomes nesta cidade me provocam desconcertam meus neurônios carrapato imburi macuco muritiba uriticum lagoa dos paus sossego a vida aqui vive enrolada em seus novelos São Francisco é tão pacata mais pacata que Arcozelo quando acordada não anda quando dorme é pesadelo 


cato caco nos azuis 

 cato cacos de vidros nos azuis lâminas de fogo nesse olho d'água algas de pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e os tiranos cessem seu torpor maligno cato caco de vidros nessa areia carma e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas são tantas horas perdidas outras desencontradas na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus essas horas que já se perderam nos currais do pasto de algum gentio pássaros elétricos que se ejacularam queimando as penas nas tensões dos fios nos geradores desse Zeus me livre onde netuno não                               aporta mais os seus navios o amor é cruel 


com as unhas entranhadas em tuas coxas

                     escrevo como quem

 cata estrelas do mar 

na areia da praia 

como quem come 

o rabo da arraia 

 montado no cavalo marinho

 lambendo escamas de sereia 

com os dentes 

cravados na memória 

e as unhas entranhadas

 em tuas veias 

na espuma branca 

                    de um pergaminho


psic/analítica

 não durmo. sonho. Dédala passeia em minha cama sob os meus lençóis de lã toda palavra sã me despe desejo pelos poros pelos nossos corpos separados apenas pela penugem do tecido quase dentro como Joice me trazendo Dédalus para o travesseiro eu te desejo como tudo que seja carne nervos músculos ossos ela foge quando toco fogo paixão fome sede tesão sexo acho até complexo ela gostar de conversar mas não sentir ou não querer ficar olhando da janela do seu olho gótico como quem analisa feito dadaísta nem fiado nem a vista porque não pode se envolver


             concretude versus                   conkrEreções 


Delírica 

da janela vou olhando o trilho de ferro do vagão barato o brasil do globo fica lá distante em brazilírica lá no meio do mato. a carne bela não viaja aqui nem mora por perto da estação da luz aqui tem merda carne de terceira lixo de primeira pele podre pus


faca uilcônica mortal

 

estanco o cavalo do sonho

 no teu quartel do princípio

 papel cortado na resma

a mula pasta acordada

a besta pulsa assombradada 

no visgo quente da lesma


trincheira

 há uma gota de sangue 

entre meus olhos e os teus 

e muitas velas acesas 

pra salvar a nossa carne 

e bocas cheias de dentes 

mastigando a nossa morte

 mas eles é que morrerão 

meu amor : num grande susto

 quando nus virem 

amando nessa cama 

 de ferro e de pau duro


 poesia para desconcertos


*


Dédalus

para Alberto Bresciani e o seu magnífico Hidroavião

 

 o poeta pesca peixes

na floresta de concreto

 lâminas de cimento

há séculos não está pra peixe

                      este mar secreto

 

 aqui redes em pânico

pescam esqueletos no ar

linhas de naylon

degolam tartarugas

que morrem náufragas

na Av. atlântica

 

o poeta cata os cacos

 que restaram

desta pátria desossada


dentro da noite veloz

 ... e se fosse não apenas o que eu quisesse ela também fosse o silêncio da fala a espera de uma outra palavra que ainda não dissemos nos vazios de nossas bocas quando a língua se esconde antes da cena acontecer. e se fôssemos como dois perdidos numa noite suja procurando a lamparina para dar a luz dentro dessa noite veloz até que exploda uma vertigem no dia ?


poética 

essa espessa nuvem de fumaça arregaça meus intestinos me provoca esse estado de não sei quantas adrenalinas essa besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de soja em cada grão de milho em cada folha de alface essa face carcomida antes dos trinta e eu aqui pensando a quantas anda os projetos do meu filho


incorporação

 para Igor Fagundes


 esse poema bárbaro

 com fonema brazilírico 

vai fazer meu aramaico 

incorporar o seu delírico

 palavras que incorporo 

dança vento 

movimento folhas 

verdes no algodão

 fulinaíma dançarino 

sertão moleque

 esse menino do frevo

 xaxado xote blues rasgado baião 


                                Juras secretas 


Jura secreta 1

a língua escava entre os dentes

 a palavra nova fulinaimânica/sagarínica algumas vezes muito prosa

outras vezes muito cínica

 tudo o que quero conhecer

:

a pele do teu nome

a segunda pele o sobrenome

no que posso no que quero

 a pele em flor a flor da pele

 a palavra dândi

 em corpo nua

a língua em fogo

a língua crua

a língua nova a língua lua fulinaímica/sagaranagem

palavra texto palavra imagem

quando no céu da tua boca

a língua viva se transmuta na viagem


Jura secreta 13

o tecido do amor já esgarçamos

 em quantos outubros nos gozamos 

agora que palavro Itaocaras

e persigo outras ilhas

na carne crua do teu corpo 

amanheço alfabeto grafitemas 

quantas marés endoidecemos

e aramaico permaneço doido e lírico

 em tudo mais que me negasse

flor de lótus flor de cactos

 flor de lírios ou mesmo sexo

 sendo flor ou faca fosse 

Hilda Hilst quando então se me amasse

 ardendo em nós salgado mar e Olga risse

 pulsando em nós flechas de fogo

 se existisse

por onde quer que eu te cantasse

ou Amavisse



        pele grafia 

meus lábios em teus ouvidos 

flechas netuno cupido

 a faca na língua a língua na faca 

a febre em patas de vaca 

as unhas sujas de Lorca 

cebola pré sal com pimenta 

 na tua língua com coentro

 qualquer paixão re-invento 

o corpo mar quando agita

 na preamar arrebenta

 espuma esperma semeia

 sementes letra por letra 

na bruma branca da areia

 sem pensar qualquer sentido

 grafito em teu corpo despido 

poemas na lua cheia 


Jura secreta 16 

 para may pasquetti 


fosse esta menina Monalisa 

ou se não fosse apenas brisa 

diante da menina dos meus olhos 

com esse mar azul nos olhos teus

 não sei se MichelÂngelo 

Da Vinci Dalí ou Portinari 

te anteviram 

no instante maior da criação 

pintura de um arquiteto grego

 quem sabe até filha de Zeus

 e eu Narciso amante dos espelhos

 procuro um espelho em minha face

 para ver se os teus olhos 

já estão dentro dos meus


Jura secreta 18

 te beijo vestida de nua

 somente a lua te espelha 

nesta lagoa vermelha 

porto alegre caís do porto 

 barcos navios no teu corpo

 os peixes brincam no teu cio 

nus teus seios minhas mãos

 as rendas finas que vestias 

sobre os teus pelos ficção


 todos os laços dos tecidos

 aquela cor do teu vestido 

a pura pele agora é roupa

 o sabor da tua língua 

o batom da tua boca

 tudo antes só promessa

 agora hóstia entre os meus dentes

 e para espanto dos decentes 

te levo ao ato consagrado

 se te despir for só pecado 

é só pecar que me interess


Jura secreta 27

 rio em pele feminina


 o rio com seus mistérios

 molha meu cio em silêncio 

desejo o que nos separa

 a boca em quantos minutos 

 as flores soltas na fala

 o pó dos ossos dos anos

você me diz não ter pressa 

seus olhos fogo na sala

 o beijo um lance de dados

 cuidado cuidado cuidado 

que sou um anjo de fadas

 não beije assim meus segredos 

meus olhos faróis nos riachos 

meus braços dois afluentes 

 pedaços do corpo do rio 

meus seios ilhas caladas 

das chamas não conhece o pavio 

se você me traz para o cio 

assim que o sexo aflora 

esta palavra apavora 

o beijo dado mais cedo 

quebra meu ser no espelho

 meu cerne é carne de vidro

 na profissão dos enredos

 quanto mais água me sinto

 presa ao lençol dos seus dedos 

o rio retrata meu centr

na solidão de mim mesma 

segundo a segundo nas águas 

lá onde o sol é vazante

 lá onde a lua é enchente

 lá onde o rio é estrada 

onde coloca seus versos 

me encontro peixe e mais nada 


Jura secreta 29 

           esfinge


 o amor não é apenas um nome

 que anda por sobre a pele 

um dia falo letra por letra 

no outro calo fome por fome 

é que a flor da tua pele 

 consome a pele do meu nome 

cravado espinho na chaga

 como marca cicatriz

 eu sou ator ela esfinge

:

 Clarice/Beatriz

assim vivemos cantando

 fingindo que somos decentes 

para esconder o sagrado 

em nossos profanos segredos 

se um dia falta coragem 

a noite sobra do medo

 

 é que na sombra da tatuagem

 sinal enfim permanente 

ficou pregando uma peça

 em nosso passado presente 


o nome tem seus mistérios

 que se escondem sob panos

 o sol é claro quando não chove

 o sal é bom quando de leve 

para adoçar desenganos 

na língua na boca na neve


 o mar que vai e vem não tem volta

 o amor é a coisa mais torta 

que mora lá dentro de mim 

teu céu da boca é a porta 

onde o poema não tem fim


Jura Secreta 37

 baby cadelinha 


devemos não ter pressa 

a lâmina acesa 

sob o esterco de Vênus 

onde me perco mais

 me encontro menos 


de tudo o que não sei 

só fere mais quem menos sabe

 sabre de mim baioneta estética

 cortando os versos do teu descalabro 

visto uma vaca triste

 como a tua cara 

estrela cão gatilho morro

a poesia é o salto de um vara


 disse-me uma vez só 

quem não me disse 

ferve o olho do tigre

 enquanto plasma 

letal a veia no líquido do além 

cavalo máquina meu coração

 quando engatilho 


 devemos não ter pressa 

a lâmina acesa 

sob os demônios de Eros 

onde minto mais porque não veros 

fisto uma festa mais que tua vera

 cadela pão meu filho forro

a poesia é o auto de uma fera 


devemos não ter pressa 

a lâmina acesa

 sob os panos quem incesta ?

 perfume o odor final do melodrama 

sobras de mim papel e resma 

impressão letal 

dos meus dedos imprensados

 misto uma merda a mais 

que tua garra 

panela estrada grão socorro

:

 a poesia é o fausto de uma farra


Jura Secreta 41 

Goytacá Boy 

musicado e cantado por Naiman

 no CD fulinaíma sax blues poesia


 ando por São Paulo meio Araraquara 

a pele índia do meu corpo

 concha de sangue em tua veia

 sangrada ao sol na carne clara 


juntei meu goytacá teu guarani 

tupy or not tupy 

não foi a língua que ouvi 

em tua boca caiçara 


para falar para lamber 

para lembrar da sua língua 

arco íris litoral como colar de uiara 

é que eu choro como a chuva curuminha mineral da mais profunda lágrima

 que mãe chorara 


para roçar para provar

 para tocar na sua pele urucum

 de carne e osso 

a minha língua tara 

sonha comer do teu almoço

 e ainda como um doido curuminha 

a lamber o chão que restou da Guanabara


Jura Secreta 43

 veraCidade


 por quê trancar as portas 

tentar proibir as entradas

 se já habito os teus cinco sentidos 

e as janelas estão escancaradas ? 


um beija flor risca no espaço

 algumas letras de um alfabeto grego 

signo de comunicação indecifrável 

eu tenho fome de terra 

e esse asfalto sob a sola dos meus pés agulha nos meus dedos 


quando piso na Augusta 

o poema dá um tapa na cara da Paulista flutuar na zona do perigo

 entre o real e o imaginário 

João Guimarães Rosa Caio Prado 

Martins Fontes 

um bacanal de ruas tortas 


eu não sou flor que se cheire

 nem mofo de língua morta 

o correto deixei na Cacomanga 

matagal onde nasci

 com os seus dentes de concreto

 São Paulo é quem me devora

 e selvagem devolvo a dentada 

na carne da rua Aurora 


Jura Secreta 53 

sagaraNAgens fulinaímicas 


guima meu mestre guima 

em mil perdões eu vos peço

 por esta obra encarnada 

na carne cabra da peste 

da Hygia Ferreira bem casta

 aqui nas bandas do leste

 a fome de carne é madrasta 


ave palavra profana

 cabala que vos fazia

 veredas em mais Sagaranas

 a Morte em Vidas/Severinas

 tal qual antropofagia 

teu grande Sertão vou cumer 


nem João Cabral Severino 

nem Virgulino de matraca 

nem meu padrinho de pia 

me ensinou usar faca 

ou da palavra o fazer 


a ferramenta que afino 

roubei do mestre Drummundo 

que o diabo GiraMundo 

é o Narciso do meu Ser 


Jura secreta 57 

 meta metáfora no poema meta 


como alcançá-la plena 

no impulso onde universo pulsa 

no poema onde estico prumo 

onde o nervo da palavra cresce 

onde a linha que separa a pele

 é o tecido que o teu corpo veste


 como alcançá-la pluma

 nessa teia que aranha tece

 entre um beijo outro no mamilo

 onde aquilo que a pele em prumo 

rompe a linha do sentido e cresce 

onde o nervo da palavra sobe 

o tecido do teu corpo desce

 onde a teia que o alcançar descobre

 no sentido que o poema é prece


O poeta enquanto coisa


*


obscuro objeto do desejo

 de pedra dourada ficaram portas janelas de entradas e saídas a sedução de dois olhos em minha carne proibida nem tanto pelo o que falo nem tanto pelo que sinto a vodka a cereja o conhac o abismo o labirinto

 de pedra dourada ficou um café orgânico no teu sertão encantada numa manhã de domingo do outro lado da trilha com tanta veracidade que me esqueci da idade e me apaixonei por tua filha

 de pedra dourada ficaram olhos acesos do outro lado a janela o espelho as contas de vidro o jogo da sedução a maravilha os passeios nas cachoeiras os banhos de bar o carnaval aquela delícia louca o batom na minha língua o cheiro das flores do mal meu bem-me-quer na tua boca


tragédia infame

 empresto minha voz aos deserdados os desnutridos os que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesmo a mesa e essa pergunta pra resposta que não vinha nem bolinho de chuva nem broa de milho nem carne seca com farinha espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha - empresto meu corpo minha voz a esses personagens os que tem sede os que tem fome ou que morrem assassinados nos guetos nos campos nas cidades por balas de canhão rajadas de fuzil estás fudido brasil entregue as traças então me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça


 Federico Baudelaire 

Mestre Sala da Mocidade Independente de Padre Olivácio - A Escola de Samba Oculta no InConsciente Coletivo – Bispo da Igreja Universal do Reino de Zeus


ancestral

 

há muito tempo

não recebo cartas de ninguém

mas não rezo padre nossos simplesmente para dizer amém

 

já fui católico rezei terços ladainhas acompanhei a procissão dos afogados na Tapera

 para soletrar a palavra Cacomanga

 e entender que o barro da cerâmica trago grudado na minha íris retina

 

meu batismo de fogo

foi numa Santa Cecília

entre víboras e serpentes

mordi a hóstia do padre

sua saia preta me levou ao pânico

de sonhar com juízes

e hoje saber o que são

 

minha África

são os olhos negros de Madame Satã na língua tenho uma sede felina

na carne essa fome pagã


sou um homem comum

filho de Ogum com Iansã


língua 

minha língua é safada nua e crua não gasta palavra a toa não canta palavra gasta nem é fado de Lisboa é blues rasgado pedra de toque samba rock plug ligado no navio ou na canoa bebe do Rio e de Sampa nos demônios da garoa fio desencapado tensão eletricidade tesão canibalidade na voracidade da Pessoa


mamãe coragem

 numa canção do Lenine o peixe está na rede o mar está com sede o rio agora chora onde esta cidade pedra veracidade medra eu te esfinjo drama 

onde a ferocidade Fedra eu te desejo deda eu te devoro dama

 pensando a trama Torquato eu disse mamãe coragem a vida é sagaranagem na elegia da hora fulinaíma é viagem te levo na minha bagagem não chora mamãe não chora


 O homem om a flor na boca

*

lugar de não sei onde

 

 ancorei os meus cavalos

na boca da areia

 as tripas retorcidas no galope

 

 no areal a sinfonia do ontem

 um horizonte cinza de um futuro que não chega


 peixes flutuando depois da asfixia levo meus assombros para um lugar de não sei onde


poema 5 

 para Jorge Ventura


 a faca não cala do poema a fala 

Dionísio Neto de Bacco 

quem sabe filho de Zeus 

jantou numa Santa Ceia 

na casa de Prometeus 


 nas madrugada de Bento 

lambeu o vinho nos seios 

das Bacantes 

no convento por todos poros 

do corpo por todos pelos e meios 


 depois grafitou nas vidraças

 com dedos de diamantes

 a Rosa de Hirochima 

num coração estudante 

depois de romper o dia 

por volta da seis e meia 

era um coração de poeta 

                             com poesia na veia


meus caninos já foram místicos simbolistas sócio políticos sensuais eróticos mordendo alguma história agora são dentes famintos cravados na pele da memória


escorre - nus

 teus seios

espumas que jorrei e

m tua boca

 ainda existe 

algo entre as costas 

e as coxas

 algas - água

 o sal da minha língua 

que lambeu a tua ostra


tem algo errado nessas estatísticas de mortes dessa drástica pandemia multipliquem 60.000 X 10 e ainda não vai ser exato o número de cadáveres empilhados nos campos de concentração que transformaram esse país que nunca foi uma nação


arranco mais uma pérola 

do ventre de hilda triste 

na porta da tua casa 

meu poema ainda insiste 


a menina que matou o tempo

 o vento também comia

 na lâmina o catavento 

pra espantar a maresia 


 nas ruínas de santa teresa

era domingo de poesia

 bateu uma pedra no rock 

e nos levou na ventania


poema 17 

com os dentes cravados na memória para Flora Filipe Sofia Alice Isadora meus tesouros



 I 

por todos anos 80

 ipanema 83

 flora recém nascida 

e eu chegando aos 40 

gomes carneiro 

visconde de pirajá 

bem próximo ao carinhoso 

bartolo com seu trumpete

 depois que a noite dormia

 tocava uma pérola negra 

e beijava o novo dia 


no boteco de onde estava 

conselheiro lafaiete 

refúgio da boemia 

me acordou com seu trumpete clarividência aflorava sonoridade – melodia 


logo depois era Drummond

 na praça general osório

 pra enriquecer meu repertório

 na pedra da poesia 


II

 ipanema 84

 filipe recém nascido 

por esses tempos vividos 

naquela aldeia carioca

 com todo vapor barato 

na tribo os sete sentidos 

nesses dentes da memória 

os 5 presentes no corpo

 outros 2 ganhos no tapa

 pelas ruas de ipanema 

 ou pelos becos da lapa


poema 21

 

nos meus delírios baudeléricos

 ou mesmo fossem baudelíricos

 sonho teu corpo flor de cactos

 como se fosse flor de lírios


toco teus pelos flor do mangue 

pulsando sangue em teus martírios 

penso teu sexo flor de lótus

 sagrada flor dos meus delírios


resumo

 ela tinha as mãos tão suaves que tocavam-se como quem tem a pele sob a chuva de setembro eu procurava colher maçãs no horto de Santa Maria Madalena olhava a montanha e lembrava-me de selvagem que fui aos olhos dela enquanto ainda vivia na tapera o meu cavalo deixava na porta da cidade escrevi sobre isso no poema quando o tempo rasgou meu corpo na calçada e trouxe-me folhas de papel em branco.


Goytacá Boy 2

 araraquara guaxindiba itaocara 

grumari o que liga essas palavras 

ao eu vocabulário a carne índia 

o sangue a cachaça paraty

 grussaí guarapary baia da guanabara


 juntei meu goytacá seu guarani

 tupi or not tupi

 não foi a língua que ouvi 

em tua boca caiçara 


 capivari tucuruvi taubaté pindamonhangaba piracicaba pirapora piraí paranapiacaba 


vim da tapera carioca 

do roçado do aipim 

cacomanga minha toca 

meu coração ururaí

 tupinambá goytacá tupiniquim 


 quanta selva quanta mata

 desmatada desde o dia que o português pisou aqui 

 para falar para lamber para lembrar 

da sua língua arco íris litoral 

como colar de uiara 

é que eu choro como a chuva curuminha mineral da mais profunda lágrima

 que mãe chorara 

para roçar para provar para tocar 

na sua pele urucun de carne e osso

 a minha língua tara 

sonha cumer do teu almoço

 e ainda como um doido curuminha 

a lamber o chão que restou da Guanabara


 juntei meu goytacá seu guarani

 tupi or not tupi 

não foi a língua que ouvi 

 em sua boca caiçara 


 gargaú guriri itapevi

 abapuru minha musa antropofágica 

tem o nome de pagu

 tarcila anita d´alkmim 

itaim guarujá piratininga 

itapetinga itaquera 

 quantas palavras ensanguentadas

nas taperas 


santeiro do mangue minha pátria 

meu tesouro 100 anos se passaram 

como vento e são paulo transformou-se nessa selva de concreto uma cidade de cimento




olho de lince

 para Tchello d´Barros 


onde engendro a Sagarana

invento a Sagaranagem 


entre a vertigem e a voragem

 na palavra de origem


 entre a língua e a miragem 

São Bernardo e Diadema 

 

mordendo :  o vírus da linguagem 

no olho de lince do poema



Artur Gomes é poeta, ator, videomaker e produtor cultural. 

Tem diversos livros publicados, sendo os mais recentes SagaraNAgens Fulinaímicas (Edições Du Bolso – 2015), Juras Secretas (Editora Penalux, 2018) O Poeta Enquanto Coisa (Editora Penalux – 2020 ) e Pátria A(r)mada (Editora Desconcertos, 2019). Prêmio Oswald de Andrade – UBE-Rio – 2020 –  O Homem Com A Flor Na Boca (Editora Litteralux - 2023)

 Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Instituto Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes-RJ de 1975 a 2002. 

Em 1983, criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira

 Em 1993, idealizou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira Mário de Andrade — 100 Anos — realizada pelo SESC São Paulo. 

 Em 1995 criou o Projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim, executado pelo SESC-SP em várias unidades na capital e pelo Estado. 

 Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, realizado até 2019 pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazs-RJ onde foi Diretor de Projetos Especiais de 1999 a 2004. 

Em 2002 lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia , com seus parceiros Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e Reubes Pess. 

 Em 2021 fez curadoria para a Mostra Cine e Vídeo De Poesia Falada. realizada pelo SESC Piracicaba-SP.

 Integrou a Comissão Julgadora do Festival Cine Urutu, realizado pela Prefeitura de Pindamonhangaba-SP 

Em 2022 criou o Projeto: Geléia Geral - Semana de 22 - 100 Anos Depois - realizado na Santa Paciência - Casa Criativa - Campos dos Goytacazes-RJ

Em 2023 criou o Sarau Mltilinguagens - realizado pela Faundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima - Campos dos Goytacazes-RJ

Em 2024 realizou a Balbúrdia Poética 3 - no Bar do Ernesto Lapa - Rio de Janeiro - em parceria com Tchello d`Barros e Luis Turiba

Com seu videopoema Goytacá Boy é um dos poetas que integram a Mostra Virtual de Videopoemas do Projeto Bossa Criativa, Arte de Toda Gente, realizado pela FUNRTE Rio.


*


Atualmente exerce a função de Coordenador de Cultura na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima em Campos dos Goytacazes-RJ e tem iunéditos os livros : Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim e Itabapoana Pedra Pássaro Poema



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