quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Pátria A(r)mada


Artur Gomes

 Pátria A(r)mada

Prêmio Oswald de Andrade

UBE-Rio – 2020

2ª Edição Revisada e Ampliada  

*


TRÊS TOQUES PARA PENETRAR NA NOITE ESCURA  DESTA

PÁTRIA A(R)MADA

1

Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria  com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e ReubesPess, nos primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas. Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte.

Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como

 “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”. 

Há dor por uma terra prometida e sempre adiada,

 “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”. 

É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões: 

“eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.

2

Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Artaut Daniel a Zé Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns.

Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que a

 “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?

3

Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando “a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo. Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.

Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016. Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão

nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos:

 “ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”.

Ademir Assunção – poetaescritorjornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA.  

     *

A vida sempre em  suspense

alegria prova dos nove

fanatismo nã0 me convence

muito menos me comove

 

Artur Gomes Fuliaíma 

 

olho de lince

para Tchello d´Barros    

onde engendro
a Sagarana

invento
a Sagaranagem

entre a vertigem
e a voragem


na palavra
de origem

entre a língua
e a miragem

São Bernardo e Diadema


mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema

 

Navegar é preciso

para Fernando Aguiar

 

Aqui

redes em pânico

pescam esqueletos no mar

esquadras  descobrimento

espinhas de peixe convento

cabrálias esperas relento

escamas secas no prato

e um cheiro podre no AR

caranguejos explodem

mangues em pólvora

 

é surreal a nossa realidade

tubarões famintos devoram cadáveres

em nossa sala de jantar

 

como levar o   barco

em meio a essa tempestade

navegar é preciso

mas está dificilíssimo navegar 


  Deus não joga dados

mas a gente lança

sem nem mesmo saber

se alcança

o número que se quer

 

mas como me disse mallarmè

:

- vida não é lance de dedos

A vida e lança de dardos

Deus não arde no fogo

                   mas eu ardo 

 

no país

da pandemônia

 

se é corrupto branco rico

e fez parte de algum golpe

de estado

o mandato é de prisão

se é negro pobre favelado

o mandato é execução 


poema a(r)mado 

todos os dias

capino a esperança

escavando outras palavras 

no chão desse quintal 

e quando escrevo com enxada

o poema é mais real


 cacomanga

 

na roça desde cedo comecei a escavar palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada capinei a liberdade e descobri que ditadura é uma palavra que não cabe nunca mais


 

das veredas do silêncio

as vielas dos escombros

não sei mais por onde ando

nesse país agora esgoto

esgotada todas as possibilidades

da fala escrevo alto 

dando descarga na privada

da latrina pública

no banheiro do palácio do planalto

 

Pastor de Andrade 

 

quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma determinada metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do universo e xingo teu nome garrutio lamparão de bico kabrunco de poema que não me dá sossego

 

Federika Lispector 


    fulinaíma sax blues poesia


ela era Bruna

em noite de blues rasgado

soltou a voz feito joplin

num canto desesperado

por ser primeiro de abril

aquele dia marcado

a voz rasgou a garganta

da santa loucura santa

com tanta força no canto

que até hoje me lembro

daquela musa na sala

com tua boca do inferno

beijando meus dentes na fala 


testamento

 

a tesoura rasga o tecido da carne

enquanto sangra

no processo cirúrgico do poema

corta de cada palavra a sílaba

que não presta

de cada frase a palavra

de cada sílaba a letra morfa

e o poeta vai vivendo no que resta

No universo paralelo

Tenho mestrado Bíblico

Em chá de cogumelo

                    Federico Baudelaire

   

Pássaros Elétricos

Vivem a vida por um fio 

                                                 Federika Bezerra

 

Deus não joga Dados

              Mais eu lanço

EuGênio Mallarmè

                                                       

                                      Dê livros

                                       Dê Beijos

                                       Dê Lírios

                                  

                           Gigi Mocidade  

                                  pan(demônica)

para Salgado Maranhão

inspirado no seu poema Pá

 

passeio os pés descalços

sobre covas rasas

contando ossos no poema exposto

no sujeito do objeto


tudo isso exposto

nesse papo reto

segue o passo norte


não leio cartas de suicídio

nem decreto de hospício

na tentação que me conforte


quero matar o genocídio

pra não morrer antes da morte


metáfora


meta dentro meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro 
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina 
com facho de fogo na retina 
pra clarear o fosso escuro

              

 Quem

cada poeta tem a sua pessoal linguagem vertigem voltagem espanto. alguns tem até desmaios. uns escrevem outros cantam outras falam. conheci um que me dizia ouvir vozes não só apenas Ferreira Gullar. uma outra queria ter meu fogo. uma outra é a mulher que só em sonhos sabe o quanto bem-me-quer. outra se assanhava diante do espelho. alguns são mágicos como uns que brincam com o sal do maranhão. outros são flechas certeiras atiradas em nosso peito. dois que conheci dando os primeiros passos um pensava na fábrica o outro em Regis Bonvicino, hoje um corsário o outro cult. nem sei porque estou escrevendo isso. é que ontem conversando com um por telefone descobri mais um montão de particularidades sobre ele. conheci um também grande mestre e amigo que só queria saber de escritemas e gostava de ensinar curto circuitos. agora esse é Quem e chegou ontem em Campos na casa da minha irmã depois de 2 meses postado nos correios em São Paulo. me lembro agora dos passeios com Flora na praça General Osório em Ipanema que encontrava sempre um que me dizia ter um poema escrito só com a palavra Bunda mas que só permitiria ser publicado depois da sua morte e gostava de afirmar também que prefácio não é bengala. eu sou um Homem Com A Flor Na Boca, de cactos, de lótus, de lírios que me trazem conteúdo. e baudelérico baudelírico despetalo pétala por pétala com espinhos com talo com tudo.

     Couro Cru & Carne Viva – 1987

            terra de santa cruz

 

I

ao batizarem-te
deram-te o nome:
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro
prata
rios
peixes
minas
mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme

II

salgado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de alfenas
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes

III

salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás

IV

meu coração
é tão hipócrita que não janta
e mais imbecil que ainda canta:
ou
viram

no Ipiranga

às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta

V

só desfraldando

a bandeira tropicalha
é que a gente avacalha
com as chaves dos mistérios
dessa terra tão servil
tirania sacanagem safadeza
tudo rima uma beleza

com a pátria mãe que nos pariu


1º de Abril


telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite uma estrela
ainda brigava contra a escuridão

na rua sob patas
tombavam homens indefesos

esperei-te 20 anos
até hoje não vieste à minha porta


VI

o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal quarta feira
na Geléia Geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazyl

minha verde/amarela esperança
Portugal já vendeu para França
e coração latino balança
entre o mar do dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul


VII

o poeta esfrangalha a bandeira
raia o sol marginal sexta feira
nesta porra estrangeira e azul
que há muito índio dizia:


meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi bumbá
a veia de curumim
é coca cola & guaraná

VIII

o sangue rola no parque
o sonho ralo no tanque
nada a ver com tipo dark
e muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yank


IX

 

ó baby a coisa por aqui

não mudou nada

embora sejam outras

siglas no emblema
espada continua a ser espada
poema continua a ser poema


        BraZílica Pereira

neste país de fogo & palha
se falta lenha na fornalha
uma mordaz língua não falha
cospe grosso na panela
da imperial tropicanalha

não metam nestes planos
verdes/amarelos
meus dentes vãos/armados
nem foices nem martelos
meus dentes encarnados
alvos brancos belos
já estão desenganados
desta sopa de farelos


PESSOA

 

não tenho pretensões

de ser moderno

nem escrevo poesia

pensando em ser eterno.

 

veja na minha língua

as labaredas do inferno

e só use o meu poema

com a força de quem xinga.


GENITAL

 

pasto no cosmo

a soja secular de Jardinópolis

onde os discos-voadores

sobrevoam meu nariz

na cara das metrópoles.

 

no centro ao sul

os cemitérios

possuem mais mistérios

que a nossa vã filosofia.

 

tem um animal de vagina espacial

na poesia

&

e um grande pênis roxo

milenar

feito espiral em círculo

preparando imenso orgasmo

pra festejar o fim do século.


TROPICALIRISMO


GIRAssóis pousando

Nu – teu corpo: festa

beija-flor seresta

poesia fosse


esse sol que emana

no teu fogo farto

lambuzando a uva

de saliva doce.

 

LENÇÓIS DE RENDA

 

poderia abrir teu corpo

com os meus dentes

rasgar panos e sedas


com as unhas

arreganhar as tuas fendas

desatar todos os nós

da tua cama arrancar os cobertores

rasgando as rendas dos lençóis


perpetuar a ferro e fogo

minhas marcas no teu útero

meus desejos imorais


maldizendo a hora soberana

com a força sobre humana dos mortais

quando vens me oferecer migalha e fruto

como quem dá de comer aos animais

 

ALUCINAÇÕES (IN)TERPOÉTICAS


O QUE é que mora em tua boca bia? um deus. um anjo. ou muitos dentes claros como os olhos do diabo e uma estrela como guia?

O QUE é que arde em tua boca bia? azeite sal pimenta e alho résteas de cebola um cheiro azedo de cozinha tua boca é como a minha?

O QUE é que pulsa em tua boca bia? mar de eternas ondas que covardes não navegam, rios de águas sujas onde os peixes se apagam.

ou um fogo cada vez mais Dante como este em minha boca de poeta delirante  nesta noite cada vez mais dia em que acendo os meus infernos em tua boca bia?

 

                          LUNÁTICA


um gato noturno

atira pedras nas estrelas

palavras e mais palavras

na carne da princesa.


onde o papel não bate

onde o pincel não toca.


o gato noturno lambe a barriga

bem perto da virilha

e trepa

no muro mais próximo

tentando alcançar o outro lado da lua

em seu instante letal

de desespero       e                       solidão.

 

                                    FROYDIANA

 

azul são os teus olhos

a cor dos pelos não conheço

teus seios ainda não toquei

 

Dracena – é uma terra roxa

nave extra terrena

que humanos não decifraram

pequena vagina virgem

onde os dedos ainda não entraram

 

e os cachos de uvas

apodrecem nos teus dentes

com um cheiro de leite ardente

esguichando na distância.

                                pátria a(r)mada

 

só me queira assim caçado

mestiço vadio latino

leão feroz cão danado

perturbando o seu destino

 

e só me queira encapetado

profanando aqueles hinos

malandro moleque safado

depravando os seus meninos

 

só me queira enfeitiçado

velos macio felino

em pelo nu depravado

em sua cama sol à pino

 

e só me queira desalmado

cão algoz e assassino

duplamente descarado

quando escrevo e não assino

       alguma poesia

 não bastaria a poesia deste bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.

não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.

não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.

não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e um cheiro de fêmea no ar devorador

aparentando realismo hipermoderno
num corpo de anjo

que não foi meu deus quem fez

esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos
 

não bastaria toda poesia

que eu trago em minha alma um tanto porca,

este postal com uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrissando lá na Urca
e esta cidade deitando água
em meus destroços

pois se o cristo redentor  deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e  na certa só faria poesia com os meus ossos.


                        Marçal Tupã

o grito goytacá ainda ecoa

 

meu coração marçal tupã

sangra tupy & rock and roll

      meu sangue tupiniquim

      em corpo tupinambá

    samba jongo maculelê

       maracatu boi bumbá

a veia de curumim

é coca cola e guaraná                        

                    Suor & Cio – 1985 


Indigesta


ê fome negra incessante febre voraz gigante

ê terra de tanta cruz 

onde se deu primeira missa índio rima com carniçano pasto pros urubus

oh! My  Brazyl ainda em alto mar  Cabral quando te viu foi logo gritando:  terra à vista!  e de bandeja te entregando pra união democrática ruralista.
por aqui nem só beleza nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza país de tanta miséria


                         Tecidos sobre a Terra

Terra, antes que alguém morra escrevo prevendo a morte arriscando a vida antes que seja tarde e que a língua da minha boca não cubra mais tua ferida

entre aberto em teus ofícios é que meu peito de poeta
sangra ao corte das navalhas e minha veia mais aberta é mais um rio que se espalha

amada de muitos sonhos e pouco sexo deposito a minha boca no teu cio e uma semente fértil
nos teus seios como um rio

o que me dói é ver-te devorada por estranhos olhos
e deter impulsos por fidelidade

ó terra incestuosa de prazer e gestos não me prendo ao laço dos teus comandantes só me enterro à fundo
nos teus vagabundos com um prazer de fera
e um punhal diamante

minha terra é de senzalas tantas enterra em ti milhões de outras esperanças soterra em teus grilhões a voz que tenta – avança
plantada em ti como canavial que a foice corta
mas cravado em ti me ponho a luta mesmo sabendo – o vão estreito em cada porta

 

MOENDA

usina
mói a cana
o caldo e o bagaço

usina
mói o braço
a carne o osso

usina
mói o sangue
a fruta e o caroço

tritura suga torce
dos pés até o pescoço

e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam

:

o saldo e o lucro


                             carne proibida

 

o preço atual

proíbes que me coma

mas pra ti estou de graça

pra ti não tenho preço

sou eu quem me ofereço

a ti: músculo e osso

leva-me à boca

e completa o teu almoço

               BraziLíricaPereira :

            A Traição das Metáforas –                                               2000 

        1968

 

ou

: a investigação

uilcorneana


quem és tu uilcon pereira

que foste fazer na sorbonne?


ter aulas com Sartre

ou cantar a Simone?

          drummundana itabirina


fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. braziLírica amanheceu incrédula:

manchetes, vozerios, falatórios, assembleias, faixas, cartazes. por todas as vias, multivias, multimeios, os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim.

E margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. Mas César que não é Castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela, e um dia fedra sorrindo, com o pênis/baton da louca, foi ao boca de luar da fedra e voltou com o luar na boca. 

                            poema 1


entre a pele e a flor no asco

com meia sola no sapato

o meu vapor mais que barato

industrial e infonáutico

entre o couro de zinco e o cabelo

mar de indecifrável plástico

por entre o bronze dos teus pelos

entre o gozar cibernético

em todo sangue magnético

a minha carne pós poeira

entre a flor e  o vaso de barro

na homepage ou no carro

na camisinha de vênus

vírus H corroendo

em vita/plus ou na sala

meu olho gótico TVendo

BraziLírica lâmpada fala

por um tanto ou tanto quase

cento e dez em cada fase

não sendo assim acaba sendo


                            poema 2


debaixo da sacada a escada torta

pássaro sem teto acima do delírio

coração de porco crava no oco da noite

a faca cega, punhal de cinco estrelas

na constelação do cão maior

por onde Úrsula nua passeia

Dédala de Dandi Deusa de Dali lua de Dadá

no coração do pintor sem fronteiras

acima do pé de abóbora embaixo do pé de cajá

Malásia não é aqui Espanha não além mar

Salvador não é Dali

a mulher que eu quero mesmo

e uma Dedé que não Dadá

Bia de Dante do inferno Itamarati/Itamaracá

constelação ursa maior

pra Dadá meu coração pra Dedé não sou cantor

quando quero quero mesmo

espuma nylon pele tecido isopor.

                     poundianna


Torquato era uma poeta

que amou a Ana

Leminski profeta

Que amou Alice 

um dia pós veio Uilcon torto

pegou a Jóia di Ana

 e juntou na PereirAlice

com o corpo de alma das duas

foi Bouvoir Assombradado

pra lá de França ou Bahia

roendo o osso do mito

pois tudo que Sartre dizia

o Anjo jurou já ter dito 

Nonada

:

-  Biúte ria 


                       poema seis


estando quase

sempre e mesmo

estando

esteja breve

assim como uma letra

escrita a lápis

numa estrela

aquarela rabiscada a giz

 

estando por um raio

esteja por um triz

 

curto circuito

quem disse que amor
é mudo
surdo
cego
não sabe o que carrego

em meu estado de sítio
em meu instante  de surto

 

                     fulinaimicamente


do som dessa palavra  nasce uma  outra palavra fulinaimicamente  no improviso do repente do som dessa palavra nasce uma outra palavra fulinaimicamente

brasileiro sou bicho do mato brasileiro sou pele de gato brasileiro mesmo de fato yauaretê curumim carrapato

em rio que tem piranha jacaré sarta de banda
criolo tô na umbanda índio fui dentro da oca
meu destino agora traço dentro da aldeia carioca

Jackson do Pandeiro Federico Baudelaire nas flores do mal me quer Artur Rimbaud na festa de janeiro a fevereiro Itamar da Assumpção olha aí Zeca Baleiro  no olho do mundo cão         

                                    fulinaíma


misturei meu afro reggae a muito xote do xaxado ainda fiz maracatu maxixe frevo já juntei ao fox trote
quando dancei bumba-meu-boi em Pernambuco

fulinaíma é punk rock rasgando fados em bossa nova
feito blues para pintar a pele branca de vermelho
e repintar a pele preta de azuis...

botei sanfona no rufar desse baião tambor de minas capixaba no lundu no Paraná berimbau de capoeira
dancei em noites de lual no Maranhão

fulinaíma é punk rock rasgando fados em bossa nova
feito blues para pintar a pele branca de vermelho
e repintar a pele preta de azuis...

mas em São Paulo pedras quando rolam pelos céus de nossas bocas meu irmão fulinaíma azeita o caldo da mistura para fazer o que não jazz ainda soul

porção de restos de alguma partitura que algum músico com vergonha recusou por ser estranho o que naquilo descobriu mas se a gente canta no cantar essa ternura é que mamãe mamãe mamãe Macunaíma ainda chora pelas matas do Brasil


                 pornofônico confesso


se este poema inocente primitivo natural indecente
em teu pulsar navegante entrar por tua boca entre dentes

espero que não se zangue se misturar o meu sangue em teu pensar quando antropo por todas bocas do corpo em total pornofonia na sangração da mulher

me diga deusa da orgia se também tu não me quer quando em ti lateja e devora palavra por palavra
por fora dentro e por fora em  pornografia sonora

me diga Lady Senhora nestes teus setenta anos
se nunca gozou pelo ânus me diga Bia de Dora
num plano lítero/estético qual humano ou cibernético que te masturba ou te deflora


vampiresco

um conto mínimo 2

 

o senhor dos anéis não mostra os dedos

muito menos o coração Bradesco onde um corpo na lama menos Vale que 1 real rasgado na boca do bueiro

 

 poética 93


Tenho nojo do Agro 
Negócio que me dá asco
por tanta perversidade

quem planta veneno
é carrasco
assassino da humanidade

 

 antes que seja tarde


qualquer palavra é um risco 
qualquer poema eu arrisco 

mesmo quando cilada
bala carro usado facada
compra venda laranja goiabeira


o lança chamas no circo

o dado lance no jogo

a mulher que come fogo

congresso de picadeiro

trapacear no senado é mágica

executivo carniceiro


poema não é brincadeira

comum baseado no ventre
farinha prisão entridentes
a farsa no país é trágica
e o povo é sempre o indigente


                  mar de lama  


aqui tem os mais profundos 
bem mais fundo 
os mais imundos minerais 


o mar de lama

mata a mata

não só ferro

não só ouro

não  só prata

mata muito mais

mata também

o couro cru

a carne viva


meus oriundos ancestrais

  

onde a poesia
se espalha 

a língua nativa

não é fogo de palha 
               é brasa viva


pandemônica 2


como preservar a Amazônia

como exterminar a miséria

se as 7 patas da Besta

cavalgam pelo  planalto?


poema de 7 foices

atrás da face anticristo

e nos palácios os crápulas

com suas caras de vidro

com suas bíblias e vícios


devastam para o pasto pro  gado

queimam  florestas e bichos

queimam a fauna e a flora

matam em nome de cristo

por algum pastor são ungidos

nunca vi tanto canalha

nesses       pantanais reunidos

 

 indicativo

olho dentro do teu olho
para que olhe na minha cara
e cara a cara me diga
a quantas anda a nossa briga
do nosso amor pela ética

se é tão estranha a poética
de só pensar lá na frente
que até perdi a conta
nesse pretérito faz de contas
das quantas vezes
que já votei pra presidente

e o nosso país do futuro
que nunca chega no presente


                boca do inferno

musicado e gravado por Luiz Ribeiro

 No CD Fulinaíma Sax Blues Poesia - 2002


por mais que te amar seja uma zorra

eu te confesso amor pagão

não tem de ter perdão pra nós

eu quero mais é o teu pudor de dama

despetalando em meus lençóis


e se tiver que me matar que seja

e se eu tiver que te matar que morra

em cada beijo que te der amando

só vale o gozo quando for eterno

infernizando os céus

e santificando a boca do inferno

                        satânica

 

eu sou ator

poeta

cineasta

produtor cultural


vivo pintando o sete

nos porões da catedral


tenho cabeça

tronco

membro sexual


não tenho a cara da morte

trafego de sul a norte

no destino tracei minha sorte


eu sou   Universal

  

       poema das invenções

fosse essa jura secreta
brazilírica fulinaimagem
mutações em pré-juizo
muito além da mesa posta
couro cru em carne viva
lambendo suor e cio
como corrente de rio
deságua no além mar

com os meus olhos nos navios

profana sagaranagem
nos gumes da carnavalha
teu corpo em Maracangalha
fulinaimando comigo
agulha no teu umbigo
como uma faca entridentes
a língua na flor da boca

intransitiva linguagem

na carnavalha indecente

ereto poema crescente
rasgando a carne no grito
o gozo nos nervos de dentro
roendo os ossos do mito


gomes & gumes 

  

todo poema tem dois gomes toda faca tem dois gumes

de um eu não digo os nomes da outra não mostro os lumes

se um corta com palavras a outra com corte mesmo

se um é produto da fala a outra do ódio a esmo

todo poema tem dois gomes toda faca tem dois gumes

e um amor cego nas asas brilhante de vagalumes

se em um a linguagem é sacana

na outra o corte é estrume

todo poema tem dois gomes toda faca tem dois gumes

se em um peixe é palavra na outra o brilho é cardume

é fio estrela na lavra mal cheiro vício costume

de um eu não digo os nomes da outra não mostro os lumes

se em um a coisa é sagrada ofício provindo das vísceras

na outra a fé é lacrada hóstia servida nas missas

se em um é cebola cortada aroma palavra carniça

na outra o ferro, é tempero, fé cega - fome amolada 

– poema é só desespero


por entre trilhos e trilhas

por entre tralhas e troços

foto grafando os destroços

dos frutos podres no chão


                               para uma menina

                         com uma flor na boca


cada palavra ou nome sendo de gente ou coisa traz em si suas nuances léxicas sendo Luana ou Jéssica sendo  paixão ou  fome sendo cidade ou surto ou condição estética

cada palavra ou nome traz em si sua punção poética

dentro da arte ou fora na pele que tens agora no olho nas pernas nas coxas estando ainda mais dentro umbigo intestino útero mar de desejos tantos que a boca sorrindo implora

ou mesmo calado o pranto

atormente teu corpo e chora

cada palavra ou nome é signo verbo cilada se queres silêncio não grito se queres mistério não mito na carne no sangue no osso está a palavra a(r) mada quando queres flor

                                  não espada.


                    a hora cósmica  du boi


Aqui,

nada de qualquer semelhança

e mera coincidência.

tudo é o que sempre existiu real, místico

satírico, é a pimenta social

na carne de boi de cada um de vós.

Aqui, nada de mistérios e metáforas

verdades e mentiras por detrás dos panos.

o boi vale sempre quanto pesa.

Aqui, só tem validade o que cheira a gado,

o que pode ser medido pesado

como percepção para a realidade do mercado.

Basta sacar os fatos.

                                O momento histórico golpeado foi

Se não perceberam a direção dos seus caminhos atentem pois para a hora cósmica do boi

 

cacomanga 2


ali nasci

minha infância

era só canaviais

ali mesmo aprendi

 conhecer os donos de fazenda

e  odiar os generais.

          no poema o que ficou?

                         para Cesar Augusto de Carvalho


no poema ficou caco de vidros azulejando nos azuis no poema ficou o corte mais aberto o sangue mais secreto tanto mal secando blues

no poema ficou a língua cega a faca desdentada a fome afiada onde era mel agora é  pus

no poema ficou o obsceno não sagrado o beijo ensanguentado o abstrato do concreto no poema ficou um objeto um soneto esfacelado um hiato no decreto

no poema ficou mais um retalho mais um trapo do espantalho nesse circo abjeto no poema ficou o sangue amargo numa noite quase nada num curral analfabeto

no poema ficou a escuridão nuvens de cinzas onde antes era luz no poema eu fiquei de pé quebrado no velório esquartejado nessa terra tanta cruz. 


 pátria que pariu

 para Rubens Jardim


os dentes das pedras mordem a língua dos meus dias obscuros esse país teve passado não tem presente nem tem futuro

peixe é bicho inteligente foge do óleo criminoso derramado nos mares do nordeste - eita peixe cabra da peste!

nem sei em que planeta estamos  hoje nessa infernal atmosfera capitão boçal pede desculpas pelas cagadas dos 3 filhos

Aí 5 é apenas os centímetros que um deles carrega

pendurado entre as pernas  esperma já virou porra

nesta pátria que pariu a besta fera

            

                            transPiração


amor é não é uma palavra lógica

e não há estética que o decifre

defina ou me explique e

que seja como neve vento água fogo

se é amor:  te amo e me afogo

me deleito no teu colo

me dê leite -  desses anjos serafim

e quanto mais

transpiro me deliro  no  desejo

       que não vai ter fim 

                          atentado poético

mesmo se eu estivesse nua você nunca saberia quem eu sou muitas vezes  diante do espelho essa coisa trans/vestida com a espada de Ogum Beira Mar eu tenho o sal entranhado em minhas coxas e o veneno na língua como um poema/pomba gira  que não é da paz um artefato anti/bélico que pode explodir neste instante em que ela pode muito bem e quer enquanto você me V(l)ER.

                                           Federika Lispector

*

         essa paz não me interessa

 

as letras dançam na retina

vertigem delírio alucinações

íris dandara a carne de segunda

nesta manhã/domingo

descasco ovas de guaiamuns encarceradas

onde a barra fede

marés e rios de promessas

 

argamassas no abstrato

que não se concreta

mesmo fosse essa jura em linha reta

meu coração não é balcão de negócios

nem recipiente para pílulas de auto/ajuda

 

meu coração  vadio leviano

um tanto    quase enganador

anda sempre no cio até sangrar

o amor da caça

quando se teima em caçador

        A mulher dos sonhos        

ela ainda guarda na boca este poema entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas nas entre linhas dela e salta das metáforas por entre portas e janelas

 

 a barra


o rio é uma passagem

para encarar a barra

                       de frente


a rede pode prender o peixe

mas não me prende

                        os dentes

 

 a mulher dos sonhos

pesadelo  ou  Freud explica?

 

ontem sonhei com a mulher dos sonhos não era minha mas procurei saber quem era encontrei o endereço e ela não estava. a governanta me falou que estava em búzios. não a vi mas ouvi uma voz e me dizia: - todo escrito deve ser falado todo livro deve ser bem lido e quem fala deve ser bem escutado - o telefone toca não atendo nem sei quem está do outro lado - deu pra ver dois olhos de búzios na areia ainda molhada pela espuma das ondas e o vai e vem me deu um susto. era ela toda de branco lenço azul nos cabelos 3 contas de vidros nas mãos quando percebi quem era acordei.

 

                                           Rúbia Querubim

A passageira da poltrona ao lado


a passageira da poltrona ao lado
observa a paisagem atentamente na janela
meus olhos focam o seu perfil na tela
meu dedo aciona o dispositivo do zoom
para ter a sua imagem mais de perto

o coração entende a sensação do seu olhar flertando a câmera o sentido está aberto na viagem onde a surpresa não tem planos e a arte é puro acaso do que possa acontecer na engenharia dos músculos que se movem inconscientes onde poema quase houver

na miragem oculta numa manhã de sexta
depois de noite inteira de cerveja para perder o sono sem saber que na poltrona ao lado na luz desta miragem  iria amanhecer

    afrodite se quiser


Zeus me fez fulinaímica

neta de Macunaíma

bisneta de Baudelaire

 

                           Gigi Mocidade


 grafitemas e figuralidades

estou escrevendo um mini conto um grafitema com figuralidades não é coisa de cinema a mais nua e crua realidade certa noite ela me veio não era sonho era uma noite de chuva com seus dois grandes olhos e mãos tão pequenas como quem grafita na areia um espelho d´água à beira mar na lua cheia vinha vestida de letras como o som da flauta de bambu dentro do fonema veio de longe da outra margem do rio dentro da tapera o cauim me trouxe na tigela bebi como índio na hora que vê nascer o filho beijei teus cabelos de milho e ela me perguntou o que era


             mini conto - a faca

poesia não é manchete de jornal para espremer escorrer sangue mas e o poema não pode ser facada que entra na carne mas não sangra como aquela em Juiz de Fora que até agora ninguém me explicou o melodrama estava li e não vi Adélio no curral do tal comício palanque armado para levar o brazyl a uma quaderna - pra fazer do país um   precipício

 

 catando cacos de cogumelos azuis

procurava apagar os rabiscos de giz nos azulejos enquanto ouvia edvaldo santana adonirando um blues vivi-ane preparava um chá de cogumelos azuis para depois do almoço que havíamos encontrado nas trilhas para são tomé das letras em outras histórias de minas fragmentadas com pimenta azeite e alho num caldeirão mágico incandescente a voz ultrapassava os corredores e entrava na cozinha como uma ladainha em cortejo de fulia de reis com aqueles palhaços com máscaras de bode no rosto imaginava a procissão em romaria era tudo real o chá ainda estava sendo preparado mas os efeitos já surgiam como se o líquido já tivesse sido ingerido ouvi uma das vozes da procissão me pedindo um gole depois de tomá-lo ela toda de azul vermelho dançou com muito mais volúpia e em um  passo de mágica todos os outros elementos da fulia começaram um ritual fulinaímico se lançando para o alto como se fossem fogos de artifícios ninguém provou do chá mas quando a dança terminou não havia mais um gole dentro do caldeirão vivi-ane quase teve um troço ao ver o utensílio vazio.

bandeira nacional


com palavras sons imagens  versos inauguro o monumento no pandemônico  da central

araçá azul domingo no parque vapor barato mal secreto pérola negra construção cabeça poema concreto

arte poesia teatro  cinema pós poema terra em transe

tropicália grande sertão veredas vidas secas memórias do cárcere

parangolés hélio oiticica artur bispo do rosário

bacurau seja herói seja marginal 

      

                               biPoética

 

sou comunista

profano umbandista

               meu amor


sou o aço da espada de Ogum

a faca de ferro de Exu

água doce de Oxum

espuma de sal de Yemanjá

raios tempestades de Yansã

a flecha de Oxossi caçador


meus deuses são

gregos africanos

são irônicos são humanos

                        sim senhor


meu corpo é do batuque

nos terreiros da justiça

minha pedra meu bodoque

dou o toque

       minha   pedra  é de Xangô


              cabaré brazilírico


nesse país

das merdavilhas

podres poderes são formados

                    pelos canalhas das quadrilhas


a quadrilha oficial

tem tentáculos espalhados

por todo território nacional


o circo está na lona

quero ver quem vai ser

o palhaço dessa zona


15 de novembro estou na praça

porque vai ter marmelada

no cabaré da pátria a(r)mada

 

 cacos de cogumelos azuis


alguns nomes nesta cidade me provocam desconcertam meus neurônios carrapato imburi macuco muritiba uriticum lagoa dos paus  sossego a vida aqui vive enrolada em seus novelos São Francisco é tão pacata mais pacata que Arcozelo quando acordada não anda quando dorme é pesadelo

 


                enigma número 2

 

arde em minha mãos teus poros

minhas unhas ainda queimam

dentro o sal das tuas águas


outubro era quase um mar folhas

no coliseu dos emigrantes italianos

e o vinho temperava nossas línguas

                    ao degustar a santa ceia


Clarice trigo do pão em minha boca

fermento de Zeus em nossa carne

no vale do Olimpo onde gozamos

os fachos de fogo em nossas veias

em tudo do amor que experimentamos

quando na mesa nos fartamos santa ceia


                         cato caco nos azuis

cato cacos de vidros  nos azuis        lâminas  de fogo nesse olho d'água  algas de pedras nesse tempo ostras antes das horas que o dia tarda e os tiranos cessem seu torpor maligno

cato caco de vidros nessa areia carma  e provo o sal o sangue o sexo a saliva o cio dessas horas tontas são tantas horas perdidas outras desencontradas  na areia da praia no rabo da arraia na ponta da lua branca nas espumas nos espermas que não fizeram filhos nas pernas nas coxas no litoral dos ânus

essas horas que já se perderam nos currais do pasto de algum gentio  pássaros elétricos que se ejacularam queimando as penas nas tensões dos fios  nos geradores desse  Zeus me livre onde netuno não aporta mais  os      seus navios

             com as unhas

entranhadas em tuas veias

 

                                 escrevo como quem

cata estrelas do mar na areia da praia

como quem come o rabo da arraia

                  montado no cavalo marinho


lambendo escamas de sereia

com os dentes cravados na memória

e as unhas entranhadas em tuas veias

          na espuma branca de um pergaminho

 

psic/analítica

 

não durmo. sonho.  Dédala passeia em minha cama sob os meus lençóis de lã toda palavra sã me despe desejo pelos poros pelos  nossos corpos separados apenas pela penugem do tecido quase dentro como Joice me trazendo Dédalus  para o travesseiro eu te desejo como tudo que seja carne nervos músculos ossos


ela foge quando toco fogo paixão fome sede tesão sexo acho até complexo ela gostar de conversar mas não sentir ou não querer ficar olhando da janela do seu olho gótico como quem analisa feito dadaísta nem fiado nem a vista porque  não pode se envolver


 

 vertigem 12

 

o barro do valão
que meus pés pisaram
impregnou o sangue
transpirou nos poros


o limo embaixo das unhas
lembra-me o lugar de onde vim
cacomanga me re-inventei Diadorim


não tracei a linha reta
já nasci um anjo torto

nada em mim se concreta

no meu sonho - desconforto


tudo em mim é impossível
até mesmo imprevisível
muito mais que inalcansável


não gosto de automóvel
muito menos televisão

cresci por dentro do mato
conheci olho de cobra
pulo felino de gato
         dentes afiados de cão

    concretude versus conkrEreções



 Delírica

 

da janela  vou olhando o trilho de ferro

do vagão barato o brasil do globo   fica

lá distante em brazilírica   lá no meio do

mato.           a carne bela não viaja aqui

nem mora por perto da estação da  luz

aqui tem merda carne de terceira   lixo

de primeira   pele        podre             pus 


nunkrEreção

 

nada nasceria naquela nação     naturalmente

naquela noite natimorta  nadavera     naverouca

nenhuma nave nenhuma louca nenhuma nara

não nasceria naquele norte     nortistatamente

nem novidade naquele nojo    nenhuma pouca

naquela nuvem naquele nível      naquele nada

nunkrEreção  nunkrerefalo         nunkrerequero

nordestamente nada nasceria        naquele clero

nem mesmo apolo numdionísio nem   mesmonero

nenhuma ninfa nunkrerenunca naquele    narda

nenhuma nívea nenhuma névoa nenhuma násia

nunca seria nascer de novo nem         pedro nava

naquele númem naquele nome naquela   amásia

nem nulidade nunkreretanto nenhuma      náusea

não nasceria       naquela nação       naturalmente

nenhum nativo naquela noite do    homem farda

nenhum negroide -  negróide nunca negroide nada

  

faca uilcônica mortal

 

estanco o cavalo do sonho

no teu quartel do princípio

papel cortado na resma


a mula pasta acordada

a besta pulsa assombradada

no visgo quente da lesma


trincheira

 

há uma gota de sangue

entre meus olhos

                      e os teus


e muitas velas acesas

pra salvar a nossa carne

e bocas cheias de dentes

mastigando a nossa morte


mas eles é que  morrerão

meu amor : num grande susto

        quando nus virem

amando nessa cama

         de ferro e de pau duro

               poesia para desconcertos

 

Dédalus

para Alberto Bresciani

e o seu magnífico Hidroavião

 

O poeta

pesca peixes

na floresta de concreto

lâminas de cimento


há séculos

não está pra peixe

este mar

aqui redes em pânico

pescam esqueletos no ar


linhas de naylon

degolam tartarugas

que morrem náufragas

na Av. atlântica


o poeta cata os cacos

que restaram desta pátria desossada



                         dentro da noite veloz


... e se fosse não apenas o que eu quisesse ela também fosse o silêncio da fala a espera de uma  outra palavra que ainda não dissemos nos vazios de nossas bocas quando a língua se esconde antes da cena acontecer.  e se fôssemos como  dois perdidos numa noite suja procurando a lamparina para dar a luz dentro dessa noite veloz até que exploda uma vertigem no  dia ?


                                              poética

 

essa espessa nuvem de fumaça arregaça  meus intestinos me provoca esse estado de  não sei quantas

adrenalinas essa besta no cio esse desatino e o destino do menino esse veneno em cada grão de soja

em cada grão de milho em cada folha de alface

essa face carcomida antes dos trinta  e eu aqui pensando a quantas anda os projetos do meu filho


 incorporação

para Igor Fagundes


esse poema bárbaro

com fonema brazilírico

vai fazer meu aramaico

incorporar o seu delírico


palavras que incorporo

dança vento movimento

folhas verdes no algodão


fulinaíma dançarino

sertão moleque esse menino

do frevo xaxado xote blues rasgado baião


 

 mallarmargens


esse poema desliza  pelo lado esquerdo do Rio entre Mallarmè e às Margens por de traz da Lapa no cio e o carioca em meu  desvario aposta um  lance  de dados que o prefeito  o mal l a(r)mado abandona sua carreira foge do povo em mal estado em plena segunda-feira Cristo desce o corcovado em lance descomunal e na Sapucaí a Mangueira explode no carnaval

                  Juras secretas 

 

              Jura secreta 1 


a língua escava entre os dentes 
a palavra nova 
fulinaimânica/sagarínica 
algumas vezes muito prosa 
outras vezes muito cínica 

tudo o que quero conhecer: 
a pele do teu nome 
a segunda pele o sobrenome 
no que posso no que quero 

a pele em flor a flor da pele 
a palavra dandi em corpo nua 
a língua em fogo a língua crua 
a língua nova a língua lua 

fulinaímica/sagaranagem 
palavra texto palavra imagem 
quando no céu da tua boca 
a língua viva se transmuta na viagem


 Jura secreta 13 


o tecido do amor já esgarçamos 
em quantos outubros nos gozamos 
agora que palavro Itaocaras 
e persigo outras ilhas 
na carne crua do teu corpo 
amanheço alfabeto grafitemas 

quantas marés endoidecemos 
e aramaico permaneço doido e lírico 
em tudo mais que me negasse 
flor de lótus flor de cactos flor de lírios 
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse 
Hilda Hilst quando então se me amasse 

ardendo em nós salgado mar e Olga risse 
pulsando em nós flechas de fogo se existisse 
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
 


                            

                                               pele grafia

 

meus lábios em teus ouvidos

flechas netuno cupido

a faca na língua a língua na faca

a febre em patas de vaca

as unhas sujas de Lorca

cebola pré sal com pimenta

na tua língua com coentro

qualquer paixão re-invento

 

o corpo mar quando agita

na preamar arrebenta

espuma esperma semeia

sementes letra por letra

na bruma branca da areia

sem pensar qualquer sentido

grafito em teu corpo despido

poemas na lua cheia


                                      Jura secreta 16               para may pasquetti 


fosse esta menina Monalisa 
ou se não fosse apenas brisa 
diante da menina dos meus olhos 
com esse mar azul nos olhos teus 

não sei se MichelÂngelo 
Da Vinci Dalí ou Portinari

 te anteviram 
no instante maior da criação 

pintura de um arquiteto grego 
quem sabe até filha de Zeus 

e eu Narciso amante dos espelhos 
procuro um espelho em minha face 
para ver se os teus olhos 

já estão dentro dos meus  

 

Jura secreta 18

 

te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo

os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas  que vestias
sobre os teus pelos ficção

 

todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes

 

e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado

é só pecar que me interessa                                                                                                

                     Jura secreta 27

                                  rio em pele feminina 

o rio com seus mistérios 
molha meu cio em silêncio 

desejo o que nos separa 
a boca em quantos minutos 

as flores soltas na fala 
o pó dos ossos dos anos 
você me diz não ter pressa 
seus olhos fogo na sala 

o beijo um lance de dados 
cuidado cuidado cuidado 

que sou um anjo de fadas 
não beije assim meus segredos 

meus olhos faróis nos riachos 
meus braços dois afluentes 
pedaços do corpo do rio 
meus seios ilhas caladas 
das chamas não conhece o pavio 
se você me traz para o cio 
assim que o sexo aflora 
esta palavra apavora 
o beijo dado mais cedo 
quebra meu ser no espelho 

meu cerne é carne de vidro 
na profissão dos enredos 
quanto mais água me sinto 
presa ao lençol dos seus dedos 

o rio retrata meu centro 
na solidão de mim mesma 
segundo a segundo nas águas 

lá onde o sol é vazante 
lá onde a lua é enchente 
lá onde o rio é estrada 
onde coloca seus versos 
me encontro peixe e mais nada 

 

Jura secreta 29

 esfinge 

o amor 
não é apenas um nome 
que anda por sobre a pele 
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a pele do teu nome 
consome a flor da minha pele 

cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge: 
Clarice/Beatriz: 

assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos 
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo 

é que na sombra da tatuagem 
sinal enfim permanente 
ficou pregando uma peça 
em nosso passado presente 
 

o nome tem seus mistérios que 
se escondem sob panos 
o sol é claro quando não chove 
o sal é bom quando de leve 
para adoçar desenganos 
na língua na boca na neve 

o mar que vai e vem não tem volta 
o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca é a porta 
onde o poema não tem fim 


Jura Secreta 37

baby cadelinha 

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus 
onde me perco mais me encontro menos 

de tudo o que não sei 
só fere mais quem menos sabe 
sabre de mim baioneta estética 
cortando os versos do teu descalabro 

visto uma vaca triste como a tua cara 
estrela cão gatilho morro: 
a poesia é o salto de um vara 

disse-me uma vez só quem não me disse 
ferve o olho do tigre enquanto plasma 
letal a veia no líquido do além 
cavalo máquina meu coração quando engatilho 

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os demônios de Eros 
onde minto mais porque não veros 
fisto uma festa mais que tua vera 
cadela pão meu filho forro: 
a poesia é o auto de uma fera 
   

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ? 
perfume o odor final do melodrama 

sobras de mim papel e resma 
impressão letal dos meus dedos imprensados 
misto uma merda amais que tua garra 
panela estrada grão socorro: 
a poesia é o fausto de uma farra 

 

Jura Secreta 40

                                                           pontal.foto.grafia 


Aqui, redes em pânico pescam  esqueletos no mar -esquadras - descobrimento  espinhas de peixe convento -  cabrálias esperas relento - escamas secas no prato  e um cheiro podre no 
AR 

caranguejos explodem  mangues em pólvora  Ovo de Colombo quebrado  areia branca inferno livre  Rimbaud - África virgem  carne na cruz dos escombros  trapos balançam varais  telhados bóiam nas ondas  tijolos afundando náufragos  último suspiro da bomba  na boca incerta da barra  esgoto fétido do mundo - grafando lentes na marra  imagens daqui saqueadas  Jerusalém pagã visitada  -Atafona.Pontal.Grussaí -  as crianças são testemunhas:  Jesus Cristo não passou por aqui 

Miles Davis fisgou na agulha  Oscar no foco de palha  cobra de vidro sangue na fagulha  carne de peixe maracangalha  que mar eu bebo na telha  que a minha língua não tralha? penúltima dose de pólvora 
palmeira subindo a maralha  punhal trincheira na
  

trilha  cortando o pano a navalha  - fatal daqui Pernambuco  Atafona.Pontal. Grussaí - 
as crianças são testemunhas :  Mallarmé passou por aqui. 

bebo teu fato em fogo  punhal na ova do bar 
palhoças ao sol fevereiro  aluga-se teu brejo no mar 
o preço nem Deus nem sabre  sementes de bagre no porto  a porca no sujo quintal  plástico de lixo nos mangues 

que mar eu bebo afinal? 

Jura Secreta 41

 Goytacá Boy  musicado e cantado por Naiman 
no CD fulinaíma sax blues poesia 

ando por São Paulo meio Araraquara 
a pele índia do meu corpo 
concha de sangue em tua veia 
sangrada ao sol na carne clara 

juntei meu goytacá teu guarani 
tupy or not tupy 
não foi a língua que ouvi 
em tua boca caiçara 

para falar para lamber para lembrar 
da sua língua arco íris litoral 
como colar de uiara 
é que eu choro como a chuva curuminha 
mineral da mais profunda 
lágrima que mãe chorara 

para roçar para provar para tocar 
na sua pele urucum de carne e osso 
a minha língua tara 
sonha comer do teu almoço 
e ainda como um doido curuminha 
a lamber o chão que restou da Guanabara 

 

  Jura Secreta 43

            veraCidade 

por quê trancar as portas tentar proibir as entradas  se já habito os teus cinco sentidos e as janelas estão escancaradas ? 

um beija flor risca no espaço  algumas letras de um alfabeto grego  signo de comunicação indecifrável  eu tenho fome de terra  e esse asfalto sob a sola dos meus pés  agulha nos meus dedos 

quando piso na Augusta  o poema dá um tapa na cara da Paulista  flutuar na zona do perigo  entre o real e o imaginário João Guimarães Rosa  Caio Prado Martins Fontes  um bacanal de ruas tortas 

eu não sou flor que se cheire nem mofo de língua morta  o correto deixei na Cacomanga  matagal onde nasci  com os seus dentes de concreto  São Paulo é quem me devora  e selvagem devolvo a dentada 
na carne da rua Aurora 


Jura Secreta 53

sagaraNAgens fulinaímicas 

guima 
meu mestre 
guima 
em mil perdões eu vos peço 
por esta obra encarnada 
na carne cabra da peste 
da Hygia Ferreira bem casta 
aqui nas bandas do leste 
a fome de carne é madrasta 

ave palavra profana 
cabala que vos fazia 
veredas em mais Sagaranas 
a Morte em Vidas/Severinas 
tal qual antropofagia 
teu grande Sertão vou cumer 

nem João Cabral Severino 
nem Virgulino de matraca 
nem meu padrinho de pia 
me ensinou usar faca 
ou da palavra o fazer 

a ferramenta que afino 
roubei do mestre Drummundo 
que o diabo GiraMundo 
é o Narciso do meu Ser 


Jura secreta 57

                             meta metáfora no poema meta

como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste

como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece

                      O poeta enquanto coisa 

  

obscuro objeto do desejo

 

de pedra dourada ficaram portas janelas de entradas e saídas a sedução de dois olhos em minha carne proibida nem tanto pelo o que falo nem tanto pelo que sinto a vodka a cereja o conhac o abismo  o labirinto

 de pedra dourada ficou um café orgânico no teu sertão encantada numa manhã de domingo do outro lado da trilha com tanta veracidade que me esqueci da idade e me apaixonei por tua filha

de pedra dourada ficaram olhos acesos do outro lado a janela o espelho as contas de vidro o jogo da sedução a maravilha os passeios nas cachoeiras
os banhos de bar o carnaval aquela delícia louca o batom na minha língua o cheiro das flores do mal
meu bem-me-quer na tua boca

            tragédia infame 

empresto minha voz aos deserdados os desnutridos os que não tem pela manhã café com pão e sobre a mesa no almoço nem mesmo a mesa e essa pergunta pra resposta que não vinha  nem bolinho de chuva nem broa de milho nem carne seca com farinha

espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra curuminha - empresto meu corpo minha voz  a esses personagens os que tem sede  os que tem  fome ou que morrem assassinados nos guetos  nos campos nas cidades por balas de canhão rajadas de fuzil

estás fudido  brasil entregue as traças então me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador dessa desgraça

                                     Federico Baudelaire

Mestre Sala da Mocidade Independente de Padre Olivácio  - A Escola de Samba Oculta no InConsciente Coletivo – Bispo da Igreja Universal do Reino de Zeus. Colunista do portal viu www.portalviu.com.br   


                                    ancestral

 

há muito tempo não recebo

cartas de ninguém

mas não rezo padre nossos

simplesmente para dizer amém


já fui católico rezei terços ladainhas

acompanhei a procissão dos afogados

na Tapera

para soletrar a palavra Cacomanga

e entender que o barro da cerâmica

trago grudado na minha íris retina

 

meu batismo de fogo

 foi numa Santa Cecília

entre víboras e serpentes


mordi a hóstia do padre

sua saia preta me levou ao pânico

de sonhar com  juízes

e hoje saber o que são

 

minha África

são os olhos negros

de Madame Satã

na língua tenho uma sede felina

na carne essa  fome pagã

sou um homem comum

filho de Ogum com Iansã

 

                                             língua

minha língua é safada nua e crua não gasta palavra a toa não canta palavra gasta nem é fado de Lisboa

é blues rasgado pedra de toque samba rock plug ligado no navio ou na canoa bebe do Rio e de Sampa nos demônios da garoa

fio desencapado tensão eletricidade tesão canibalidade na voracidade da Pessoa

 

                            mamãe coragem

 

numa canção do lenine o peixe está na rede o mar está com sede o rio agora chora onde esta cidade pedra veracidade medra eu te esfinjo drama


onde a ferocidade fedra eu te desejo deda eu te devoro dama


pensando a trama Torquato eu disse mamãe coragem
a vida é sagaranagem na elegia da hora  fulinaíma é viagem te levo na minha bagagem não chora mamãe não chora

        o homem com a flor na boca                                         

                             sorocaba blues

 

o cheiro de terra fendida

ainda está sob os sapatos

a carne assada ao sol

na poeira das estradas

 

sobre o prato

o gosto que ficou   na boca

o pudor dos seus guardados

o orgasmo que não veio

 

depois do primeiro susto

virginia então em a mim

mastiga da minha carne

e deixa as sobras pros meus beijos


 musicada e gravada por Reubes Pess no CD AlmaFAZArte Rock And Blues



lugar de não sei onde

 

ancorei os meus cavalos

na boca da areia

as tripas retorcidas no galope


no areal a sinfonia

do ontem

um horizonte cinza

de um futuro que não chega


peixes flutuando

depois da asfixia

levo meus assombros


para um lugar de não sei onde 



no país da pandemônia

 

arte aqui faca amolada

navalha na língua

lâmina afiada entre dentes


se o cão lítico

é facista negacionista

vírus verme trapaceiro


sou filho  mestre do jongo

aprendiz feiticeiro

minha mãe índia na luta

afro-dite mitológica

goytacá canibalesca

antropófoga vidente


me ensinou nobre feitiço

pra matar verme curisco

com o veneno da serpente 


fome

 come osso menina

come osso menino

não há mais metafísica no mundo

do que comer osso

 

no açougue ou no mercado

osso de graça já foi dado

hoje é vendido hoje é comprado

 

come osso maria

come osso mané

come osso joão

com arroz e feijão quebrado

 

porque nesse país sem nome

temos que comer osso

para matar a nossa fome


  já podeis

da pátria, filho

ver demente

a mãe gentil

 

já raiou

a liberdade

em cada cano de fuzil

 

salve lindo

fuzil que balança

entre as pernas

a(r)madas da paz

 

a  gripezinha

era a certeza esperança

de um genocida

imbecil incapaz

 


texto para orelha


Artur Gomes é poeta do corpo e da alma. Do corpo, pois as sensibilidades da pele estão devidamente traduzidas na extensão da sua obra. Também da alma, pois extrai das invisibilidades a força de um viver que resiste e insiste nas guerrilhas poéticas do cotidiano. Uma voz que ecoa Brasil afora, seja dizendo seus versos, lançando seus livros ou fazendo da poesia um espetáculo audiovisual.

Escreve e recita com grande expressividade. Produz e arrasta para a ribalta a poesia necessária. Versos que berram diante do espelho os silêncios que traduzem sua vitalidade poética. Artur publicou livros e se destaca por extrair da palavra escrita a oralidade necessária. Assim, se apresenta agora com mais uma obra para dizer que só o que transborda naturalmente, permanece e se reproduz.

 

                                   Lau Siqueira


Artur Gomes

Fulinaima MultiProjetos

fulinaima@gmail.com

(22)99815-1268 – whatsapp

@fulinaima @artur.gumes

A Biografia De Um Poeta Absurdo

www.fulinaimargem.blogspot.com

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