sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Tropicália - poema de Bernardo Caldeira

 


TROPICÁLIA

Moïse Kabagambe
– refugiado do Congo
e da dor. Cruzou o mar
em busca de um colo
nos braços abertos
do Redentor – morreu espancado
por cobrar seu salário
na cidade de encantos mil.
Amanhã terá sido
uma velha notícia
nas páginas amassadas
de algum jornal do Brasil.
No país das Tropicálias

 

                                     Bernardo Caldeira




quem fala que sou esquisito hermético

é porque não dou sopa estou sempre elétrico

nada que se aproxima nada me é estranho

                                         fulano sicrano beltrano

seja pedra seja planta seja bicho seja humano

quando quero saber o que ocorre à minha volta

ligo a tomada abro a janela escancaro a porta

experimento invento tudo nunca jamais me iludo

quero crer no que vem por aí beco escuro

me iludo passado presente futuro

                                         urro arre i urro

viro balanço reviro na palma da mão o dado

                                         futuro presente passado

tudo sentir total é chave de ouro do meu jogo

é fósforo que acende o fogo de minha mais alta razão

e na sequência de diferentes naipes

                                 quem fala de mim tem paixão

___________________________________________

[olho de lince | waly salomão]

Img. Xando Pereira

 fonte: Jussara Salazar 



Quando leio Mário Faustino o espírito sempre entra numa grande transa um "estado de poesia". Em 1983 depois da criação da Mostra Visual de Poesia Brasileira, o meu mergulho na sua obra se tornou intenso, e acabei em diversos momentos levando seus poemas para o repertório das minhas performances.

 Esse post do Lau Siqueira com VIDA TODA LINGUAGEM me levou a belas lembranças da minha querida e saudosa amiga Wilma Lima, da cidade de Santo André e do Alpharrabio, espaço onde por muitas vezes levei pra fala os seus poemas.

 

 

VIDA TODA LINGUAGEM

 

Vida toda linguagem,

frase perfeita sempre, talvez verso,

geralmente sem qualquer adjetivo,

coluna sem ornamento, geralmente partida.

Vida toda linguagem,

há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome

aqui, ali, assegurando a perfeição

eterna do período, talvez verso,

talvez interjetivo, verso, verso.

Vida toda linguagem,

feto sugando em língua compassiva

o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!

leite jorrado em fonte adolescente,

sêmen de homens maduros, verbo, verbo.

Vida toda linguagem,

bem o conhecem velhos que repetem,

contra negras janelas, cintilantes imagens

que lhes estrelam turvas trajetórias

Vida toda linguagem –

                                          como todos sabemos

conjugar esses verbos, nomear

esses nomes:

                       amar, fazer, destruir,

homem, mulher e besta, diabo e anjo

e deus talvez, e nada.

Vida toda linguagem,

vida sempre perfeita,

imperfeitos somente os vocábulos mortos

com que um homem jovem, nos terraços do inverno,

              / contra a chuva,

tenta fazê-la eterna – como se lhe faltasse

outra, imortal sintaxe

à vida que é perfeita

                       língua

                       eterna.

 

(Mário Faustino)

 



                  O Homem  Com A Flor Na Boca

www.arturfulinaima.blogspot.com

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