Lado B,
resenha
Por Álvaro Cardoso Gomes[1]
Li
Lado B de uma só assentada, nem tanto para seguir a lição de Edgar Allan
Poe, quanto à obrigatória concisão do conto, mas também provocado por suas
sintéticas alegorias. Sim, tomo a liberdade de dizer que o que o Cesar escreve são
alegorias, prestando-se a leituras simbólicas de tempos sombrios, que
regem as vidas de cidadãos alienados e
submetidos a regimes de exceção. Estes regimes, mesmo não sendo nomeados
diretamente, vigem nas entrelinhas, provocando um estupor acomodado do seres,
por vezes, marcados, de maneira indelével, com um bigodinho, a lembrar um
sujeito endeusado até mesmo em sua morte covarde, vergonhosa.
Lado B, o título da coletânea e
título do primeiro conto, ilustra e bem o que é o lado obscuro das relações
humanas, aquilo que subjaz a um mundo absurdo de intimações perversas, conspirações
abstrusas e conspiradores, movidos por ideais fanados e sem sustentação. Lado
B/Filme B, como nas contrafações de Hollywood, em que orçamentos
vis, diretores e atores de segunda, cenários de fancaria, construíam enredos
inverossímeis, mascarando verdades, mas, ao mesmo tempo, revelando verdades a
serem ocultas. A lembrar uma delas, por sinal e malgré lui, excelente,
intitulada Vampiro das Almas, dirigida por Don Siegel, em que vagens são
enviadas à Terra, para germinarem cópias dos seres humanos, para que, no fim,
reinem os simulacros sobre os cidadãos indefesos. Como o protagonista de “Um
Homem de Bem”, que narra suas estripulias com a maior naturalidade, para ajudar
a manter um governo fantoche, de exceção, no país, onde viverão os seres
produzidos em série, como no das vagens de Don Siegel.
Entre todas as narrativas, sem desmerecer
as demais, salientaria, para meu gosto pessoal, as kafkianas “Cumprindo o
Dever”, “Castigo” e “Um Século Depois”. Na primeira, o narrador trata do
sujeito que recebe uma intimação, a que deve obedecer, mesmo sem saber qual
crime teria cometido, caminhando numa fila interminável, como se fosse um boi
preparado para a degola, representada pelo sinal inconfundível com que será
marcado, o de um líder de triste memória. Já em “Castigo”, observa-se uma
alegoria do que o mundo virtual pode provocar nos usuários, castigados, ao
verem que quem aparentemente manipula os signos, além de manipulado que é, faz,
na verdade, parte desses mesmos signos, ao “observar no espelho os fluxos
descontínuos de seus dados binários”.
“Um Século Depois” tem traços orwellianos
bem configurados, ao invadir o espaço educacional em que “os livros são
proibidos” e nem mais existem e em que os cidadãos são vigiados por Big
Brothers, hologramas dos protetores, prontos para a delação. O resultado disso
está nas aulas, nas quais, professores, que também são hologramas, reinventam
narrativas e histórias, para impor uma nova visão da História, a serviço dos
interesses inescrupulosos dos tiranos de plantão.
Resumindo em miúdos, Cesar Augusto de
Carvalho dá seu recado, utilizando-se de expedientes literários sempre alusivos,
o que implica que não caia num panfletarismo grotesco. Ou seja: põe o dedo na
ferida, mas sem apelar para a literatura de consumo partidária, que vem se
manifestando e grassando neste nosso bravo mundo de inconsequências gratuitas.
[1]
Álvaro Cardoso Gomes, professor aposentado da
USP, além de crítico literário é autor de mais de 90 livros entre acadêmicos,
para adultos, jovens e crianças. Ganhou
o prêmio Nestlé de Literatura em 1982 com o romance O Sonho da Terra e
contemplado com o Jabuti por duas vezes, a primeira em 2010 com O poeta que
fingia e a segundo em 2014 com Memórias Quase Póstumas de Machado de Assis.
MANTO
antes de sussurrar meu nome
e navegar estas ilhas
- êxodo das minhas águas -
colhe da chuva a delicadeza dos pingos
para que eu deseje buscar
afluentes nos teus braços
desaguar-me como fonte
reconstruir minhas águas íntimas
peço que me aceites como manto
sobre o rio do teu sono
e recebas meu corpo
como concha do teu
se nos estranharmos à luz
desses mistérios
sossega!
ainda somos véspera!
Marcia Friggi
(Foto de Henrique Friggi. Explorando temas
difíceis para depois de "chão de mariposas" )
a martelo casa editorial avisa:
mais um pouco dela, Maria do Carmo Ferreira — poema de CORAM
POPULO, livro 2 de sua POESIA REUNIDA, organizada por Fabrício Marques e
Silvana Guimarães.
a gente sabe que tá todo mundo esperando: na próxima postagem
sobre MCF você já vai poder comprar esta obra fantástica, de uma das poetas
mais incríveis de nossa língua.
#mariadocarmoferreira #mcf #poesiabrasileira #poesiareunida #poetabrasileira #coleçãocabeçadepoeta
um céu escuro
dentro da boca
da inquietude
espectral das
hostis esferas -
pandemônios
migratórios
encerram
colapsos -
lábios leporinos
aceleram
urbanas
urgências -
carências
estomacais
roendo
o traçado
disforme dos
passos -
pássaros tortos
mortos no chão
azul da tarde -
usinas de urânio
cercam praias
petrificadas -
um exército
de palavras
cerzidas em
um céu escuro
dentro da
boca -
torrenciais
insanidades
nas bordas
peludas do
corpo -
poetas per
versos e
pernósticos
renomados
disputam
espessos
espaços -
indômitas
caravanas
apocalípticas
vendem
tropicais
cataclismas -
o vício da fome
devorando
tudo -
nossa
paisagem de
ossos - destroços
- janeiros de
sangue no
pescoço das
plantas
garbo
gomes
30.01.24
UVA.PR.BR.
Arte:
The three candles
As três velas
Marc Chagall
( 1940 )
— em União da Vitória
Dear mailartist friends, I still hope it is not true... but I read now on Instagram the news of Cristina Holm's death two days ago. I am very saddened. Friendship is built sometimes even without meeting physically, through thoughts, art, words... and it is sad when a friend leaves. This is one of her beautiful collages for me, for our Kunstbuchproject....
Cinzia Farina
"O grito
de Gaza" do artista tunisino Omar Esstar
via Dalila Fonseca
NUVENS
Sou leve, lépida e fugaz
Vivo em nuvenzinhas despidas de catálogos
Qdo visito o Sol
Me dispo de rótulos
E entro na sua luz
Dissipo dores
A felicidade me assusta
Sempre vivi à margem
Meus cotovelos me incomodam
Me viro do avesso
Escalo meu corpo frágil
Meus olhos sangram
Minha vagina se esvai
No templo sagrado
Em cores amarela-branco
Da criança assustada
que se masturba na chuva
Com seus cachos dourados
E sua pele esquartejada
Pelos domínios sombrios
do Patriarcado demoníaco
São seres aos pedaços
Cravados na Cruz
Da desesperança e do medo
Pessoas como nós são incapazes de ter umavida
normal; E qdo isso acontece, mata-nos....
( Luiza Silva Oliveira)
EU
PODERIA ESTAR MATANDO
Armando Liguori Junior
Desconcertos Editora
· Mini Bio
Eu, Armando Liguori Junior, 59 anos,
paulistano, ator e jornalista por formação, humano de nascença. Poderia ser
médico, arquiteto, astronauta, oceanógrafo, carcereiro, estilista, personagem
num parque da Disney, limpador de lutador de sumô, influenciador,
meteorologista, filósofo, mergulhador. Poderia ser um viajante rodando o mundo
quantas vezes fosse possível numa vida. Poderia ser qualquer coisa, qualquer
um, sou humano: se outros podem, também posso.
Mas escolhi escrever para estranhos.
NÃO DÁ NO MESMO
Da mesma carne
Da mesma espécie
Eu poderia matar se quisesse
Poderia
roubar, violar, violentar
Da
mesma forma
Do
mesmo jeito
Com o mesmo efeito
Por
ser humano não me seria estranho
Seria natural até
Mas
ainda não aconteceu
Talvez
nunca aconteça
Ou talvez um dia. Quem sabe?
Eu
poderia estar mentindo
Enganando
E, às
vezes, o faço
Mas na
maioria
Sou enganado
É do
humano
É de
mim
Está
aqui
Levo
comigo
É só usar quando quiser
Mesmo
sangue
Mesma
saliva
Mesma
substância
Eu
poderia me matar se quisesse
Mas ainda não quis
Fugir
é humano
Assim
como enfrentar
Para ver no que vai dar
Eu
poderia deixar o mundo explodir
Deixar
tudo naufragar
Querer ver a coisa toda piorar
Mas
não faço parte desse grupo
Dessa gente
Poderia fazer. Mas não faço.
Da
mesma marca
Da
mesma matéria
Da
mesma fábrica
Com a
mesma embalagem descartável
(só
mudando a cor e o preço)
Eu
poderia me vender
Me entregar
Talvez
até já tenha me vendido
Uma
vez ou outra
Ou sempre.
Nunca me entreguei
Da
mesma penca
Da
mesma cepa
Poderia
estar parasitando
Destruindo, adoecendo tudo o que vive ou tenta
Poderia e posso tanta coisa: tudo o que é humano
Poderia
não me comprometer
Não
opinar, não falar o que penso
Apenas concordar
Poderia
e posso
Mas não, obrigado
Não
quero. Não faço.
UM VULCÃO CHAMADO SUSAN SONTAG
A escritora Sigrid Nunez teve um raro privilégio
na vida: o de conviver com Susan Sontag. Em 1976, Sigrid era uma recém-formada
que aspirava a se tornar escritora. Foi então contratada por Susan Sontag para
datilografar sua correspondência.
Nesse meio tempo, Sigrid acabou se apaixonando por
David Rieff, filho único de Susan. Casaram-se e, durante um ano, moraram no apê
da intelectual em Manhattan.
É sobre esse rico convívio que Sigrid Nunez
escreve no livro "Sempre Susan", recém-publicado pela editora Instante,
com tradução de Carla Fortino.
Das memórias da escritora, autora premiada de
romances como "O amigo", emerge o retrato pulsante de uma
personalidade complexa que desafiou todas as convenções e gravou seu nome na
galeria de uma das intelectuais mais importantes do século 20, com ensaios que
alcançaram grande sucesso de público e crítica, como "Sobre
fotografia" e "Diante da dor dos outros".
Na época em que contratou a auxiliar, Susan Sontag
se recuperava de um câncer de mama. Sigrid a descreve como um poço de
contradições, que sempre se colocava como mentora de quem a cercava - incluindo
a própria Sigrid -, detestava ficar só e vivia rodeada de amigos, uma entourage
da qual fazia parte eminentes escritores e intelectuais.
Seu apê mantinha o ritmo de uma festa permanente,
sempre ocupado, fosse por amigos ou amantes. "Morar com alguém tão
hiperativo como Susan já era morar com uma multidão, e havia ainda um fluxo
constante de visitantes."
Susan é retratada como elitista. Sempre proclamava
a superioridade da cultura europeia sobre a norte-americana, que considerava
marcada pela banalidade, embora tivesse alguns poucos heróis estadunidenses.
Sigrid destaca a capacidade de trabalho incomum de
Susan: "Para começar a trabalhar, ela precisava liberar longos períodos
durante os quais não faria mais nada. Tomava Dexedrine e trabalhava o tempo
todo, nunca saindo do apartamento, raramente saindo de sua mesa. Adormecíamos
com o som dela datilografando e acordávamos com o som dela datilografando."
As memórias não poderiam deixar de falar do papel
de Susan como mãe. Ela teve seu filho David aos dezenove anos. "O
relacionamento deles nunca foi uma relação mãe-filho comum". Susan dizia:
"Prefiro que ele me veja - ah, sei lá - como uma irmã mais velha."
Não faltam referências ao comportamento irascível
de Susan: "Quando estava infeliz com o mundo, ela atacava; queria machucar
alguém. Em seu círculo íntimo, sempre tinha pelo menos uma ou um saco de
pancadas, e ela batia, e batia, e batia." Sigrid resume esse estado de
espírito em duas palavras: Susan era "masoquista e sádica".
Aclamada como ensaísta, seu trabalho de
ficcionista nunca foi reverenciado como ela gostaria. "Ela não estava
feliz com a obra da sua vida. Falhara em atingir as metas que estabelecera para
si na juventude."
Publicadas nos Estados Unidos em 2011, quando a
maior parte dos seus personagens já havia morrido, as memórias de Sigrid Nunez
nos apresentam uma personalidade vibrante, atravessada pelos conflitos de uma
das maiores inteligências do nosso tempo.
Paulo Lima
O sol rasga o Leste
e costura, em fios d'ouro,
o dia que veste.
Lu Nobre
Haiku De Matsuo
Basho
O mundo do sofrimento:
Mas as cerejas
Estāo em flor.
via Maria Marta Nardi
um torquato bashô serAfim
não sei se é canibal
ou serTão
tupiniquim
Artur Fulinaíma
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