Terra em
Transe
Em Batatais, quando desci do palco do Teatro Municipal, dois
lábios vermelhos carnudos encarnados e dois olhos azuis vidrados vibravam em
minha direção, era Cláudia, que ganhou beijo na boca e alguns anos depois Copacabana
consumou nossos desejos.
Em Registro era uma noite de Sarau no restaurante onde
jantávamos e eu ali absurdado com os
poetas soprando palavras ao vento, foi quando Mariana de Piracicaba, vindo a
mim feito ondas, me ofereceu saliva ardente numa pétala de rosa branca e espuma
vermelha de batom - delírios em sua língua de Vênus.
Desde então queimando em mar de fogo me Registro
o
maior desafio
permanecer Nu cio
Ando alpha
Quase beta
Meu destino : ser poeta
ela ainda guarda na boca este poema
entre os dentes a língua saliva sílaba por sílaba as palavras que invento ela
fala em meus versos ao sabor do vento enquanto freud não explica o que ainda
não fizemos ela mastiga meus biscoitos finos e vê nos búzios minhas mãos de
fogo quando tem no livro este incenso aceso as entre minhas em entre linhas dela e salta das metáforas por
entre portas e janelas
no poema o que ficou?
para
Cesar
Augusto de Carvalho
no poema ficou caco de vidros
azulejando nos azuis
no poema ficou o corte mais aberto
o sangue mais secreto
tanto mal secando blues
no poema ficou a língua cega
a faca desdentada
a fome afiada onde era mel agora é
pus
no poema ficou o obsceno não sagrado
o beijo ensanguentado
o abstrato do concreto
no poema ficou um objeto
um soneto esfacelado
um hiato no decreto
no poema ficou mais um retalho
mais um trapo do espantalho
nesse circo abjeto
no poema ficou o sangue amargo
numa noite quase nada
num curral analfabeto
nuvens de cinzas
onde antes era luz
no poema eu fiquei de pé quebrado
no velório esquartejado
nessa terra de tanta cruz
Dédalus
para
Alberto Bresciani
e o seu
magnífico Hidroavião
O poeta pesca peixes
na floresta de concreto
lâminas de cimento
há séculos
não está pra peixe este mar
aqui redes em pânico
pescam esqueletos no ar
linhas de nylon
degolam tartarugas
que morrem náufragas
na Av. atlântica
o poeta cata os cacos que restaram
desta pátria desossada
um
rio
de
palavras
corpo
larvas erupção
mar
de fogo
vulcão
Mário Faustino traçou o seu
destino
FederikaLispector
havia ali
o voo
em que Faustino
se dissolveu
no ar
tornou-se
fausto
anjo
aéreo
Herbert Valente de Oliveira
Gigi
Mocidade
escrevo
para não morrer antes da morte
Federico Baudelaire
o
poema é um lance de dados
mas
não fugirá ao acaso
Stefane Mallarmè
imagens sempre me levam a viagens impensadas fotografias me
levam a grafias outras imagens recriadas escrevo não como Manuel Bandeira para
não morrer mas como Federico Baudelaire para não morrer antes da morte. ontem o
sonho me trouxe ela de volta leve como espuma quando beija a pele da areia.
muitas vezes imagens me levam a viajar - como deve ser escrever para não enlouquecer ¿ muitas vezes algas que ela traz no mar da boca desce abaixo do umbigo e
se encaixa entre as coxas encharca a língua de saliva e me lembra algum
despacho Olga Savary quando me diz que mar é o nome do seu macho.
o poema pode ser a
orelha de Van Gog bandeirinhas de Volpi os rabiscos de Miró o assassinato de Lorca o poema pode ser o que vai o que não fica Lupicínio na
Mangueira Noel Rosa na Portela uma jangada de velas um parangolé do Oiticica o
poema pode ser os meus músculos de ossos a minha pele de sangue a morte
ancestral em cada mangue e os negros nervos de aço estraçalhados em Martinica o
bombardeio de Guernica o cubismo de Picasso
se o
Poeta não Delira
sua
Lira não Profeta
Artur Fulinaíma
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